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domingo, 25 de março de 2018

Mantras equivocados

O primeiro carro que recordo foi um Austin. Pequeno, tinha a vocação de maestro: em cada parada um cons(c)erto, como reza a piada. Depois meu pai comprou uma DKW Vemag, tentativa brasileira, com os alemães, para que tivéssemos alguma participação num mercado que se antevia enorme. Tinha a tal roda livre, que ele usava na descida de Nova Petrópolis, onde fazíamos o rancho no armazém de Felipe Michaelsen. O carro ganhava velocidade, e mesmo não fazendo curvas em duas rodas, meu pai exibia alguma perícia. Perícia que conquistou com boas trapalhadas, como derrubar a parede de uma garagem por acelerar ao invés de frear.

Num meio de ano meus pais uniram-se aos tios Simões e Iride e filhas para conhecer um pouco do Brasil. Meu irmão e eu ficamos na casa dos avós maternos. João Teóphilo, meu avô, tinha seu escritório de advocacia no térreo da residência, na Ramiro Barcelos. Havia um acesso pelo porão, onde brincávamos. Gostava de mexer nas tulhas, tomadas por cereais. Uma prateleira enorme abrigava um pouco do passado, com brinquedos deixados pelos sete filhos,e um armário menor guardava livros escolares antigos, alguns dos quais me atraíram, como os de geometria.

Acho que ficamos quase um mês como hóspedes, pelo menos é o que meus seis anos de então registraram. Teóphilo não matava aranhas porque as tinha na conta de úteis. Era homem afável para uma conversa, mas não consigo imaginá-lo chutando bola ou empurrando neto no balanço. Durante aquele período nos levaram ao Zoológico. Fomos no Ford de meu avô, naturalmente preto. Seja porque o automóvel não permitia, seja porque meu avô andava mesmo devagar, o fato é que a viagem demorou. Hoje, andando na casa dos 40 Km/h, seríamos massacrados.

Alguns dias depois do retorno de meus pais, viajamos para alguma cidade da redondeza e lembro muito bem do medo que sentimos. Meu pai, andando do mesmo jeito de sempre, parecia um Fangio, a ponto de nos segurarmos no banco e até gritarmos numa curva ou numa freada. Não era meu pai quem voava, mas meu avô quem se arrastava pelas estradas. A partir da nova referência, portanto, havíamos alterado nossa percepção. A gente se acostuma a quase tudo.

Como nos acostumamos a escutar acusações contra a Igreja Católica, sem o devido contraponto. Dias atrás um radialista da capital afirmou que nosso atraso deve-se ao fato de termos sido colonizados pelos portugueses e dirigidos pelo credo católico. E que seríamos no mínimo uma Austrália ou uma Nova Zelândia se tivéssemos a sorte de termos sido uma colônia inglesa. Só faltou dizer que os negros no Brasil são mais pobres porque vieram da África, um continente que até hoje desponta como uma terra em dificuldades, a despeito de suas riquezas naturais insuspeitas. Será que o radialista atribuiria o atraso à etnia ou à sua ancestralidade?

Pensei em enviar uma mensagem eletrônica para o cidadão, mas declinei porque talvez sequer a lesse. Ademais, o espaço de que dispúnhamos seria por certo desigual. Sugeriria a ele que pesquisasse sobre a economia alemã, para descobrir que a católica Bavária é o estado mais rico da federação alemã. Também recomendaria que se informe sobre o notável desenvolvimento da católica Áustria e, para não citar apenas os melhores, que analise a estável Polônia. Quanto à origem do colonizador, o que dizer da Índia sob o cabresto inglês? Foi fácil a independência da Índia? Seja qual for o colonizador, ser colônia é sempre uma condição deplorável.

Reivindicar como causa de nossas mazelas o catolicismo e a ascendência portuguesa é atirar a esmo e com espalha-chumbo, denunciando péssima pontaria. Num mundo em crescente despotismo, sob enganoso verniz democrático, temos assistido a escalada de novos valores. Símbolos cristãos são sutilmente proibidos, a perseguição religiosa corre solta e qualquer opinião heterossexual pode ser criminalizada como homofóbica, calando consciências por medo de processos e enxovalhamentos. Como escreveu Dietrich Von Hildebrand, em “Atitudes Éticas Fundamentais”, “os valores éticos são o âmago do mundo; a sua negação, o pior dos males: pior do que o sofrimento, a doença, a morte, pior do que a ruína das culturas mais florescentes”.

Neste mundo em que a guerra fria ganhou novo impulso, em que a verdade é pisoteada, o aborto é legalizado, o ateísmo chinês busca a liderança capitalista  e o islamismo conta os dias para conquistar a hegemonia da Europa, o tão amaldiçoado jugo católico deixará saudades.

J. B. Teixeira





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