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quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Eutanásia – Quanto vale uma vida?

Em alguns discursos e mentalidades, o valor da vida tem vários pesos, medidas e valores.

Será que um bebé saudável de uma família rica, em que foi profundamente desejado, tem um valor elevadíssimo comparado com um bebé não desejado que nasce numa família pobre, em que a família não tem condições de subsistência e/ou vive num país em guerra? 

Talvez esse bebé que vive num país pobre ou em guerra, segundo critérios cada vez mais distorcidos sobre dignidade humana fosse “eutanasiado” à nascença, pois assim, não sofreria: nem fome, nem guerra, nem coisa nenhuma! Mas a vida, com todos os seus contornos não é uma opção que se coloca numa quadricula, a vida é um valor absoluto. Todas as opções que não respeitem este direito são aberrantes. 

Todos nós temos na nossa cabeça, imagens de crianças desnutridas, cheias de moscas, sem força para sequer chorar pelos incómodos, dores, fome extrema, pela sede que lhes seca as entranhas. E a nós, o que secam essas imagens? Será que secam o reconhecimento da dignidade humana? Secam as lágrimas? Secam a esperança?

Quanto vale um velho com uma boa reforma? Quanto vale um velho mendigo? Quanto vale um homem ativo? Quanto vale um intelectual? 

Pois é, quanto vale? Falar de valores quando pensamos em vida humana remete-nos para o tempo da escravatura, em que uma pessoa tinha realmente um valor monetário. A abolição da mesma, demonstra que percebemos que a vida não tem preço, e a liberdade de a viver também não. 

Mas, quando queremos colocar critérios “clínicos” para eutanasiar (matar) pessoas de forma legal é não mais que uma escravatura. É um retrocesso civilizacional e não nenhum avanço. A escravatura do valor monetário. Quanto vale um doente crónico em termos monetários? Este é o pensamento que leva à eutanásia enquanto recurso. Não tenhamos ilusões. 

Quando colocamos a vida como um valor absoluto e inviolável, e não como um valor monetário ou utilitário não temos muitas dúvidas que todos nós deveríamos lutar até ao fim das nossas forças pela dignidade humana. 

E a dignidade humana, existe até ao ultimo sopro de vida. Em 11 anos de serviço como fisioterapeuta conheci incontáveis casos de doentes respiratórios crónicos. Muitos deles em estados muito graves e terminais. Doentes com vidas em que o sofrimento estava presente diariamente, em cada instante. 

O que vi nessas vidas? O intenso sofrimento, a intensa luta e as tantas conquistas. Pequenas, grandes conquistas que tinha o privilégio de ajudar a construir enquanto fisioterapeuta. Todas essas pessoas ensinaram-me de diferentes modos, que com saúde ou doente; com o olhar posto numa vida longa, ou numa vida curta o que conta em qualquer uma das situações são as pessoas. As pessoas que amamos, que amámos, que nos ajudam a superar os vários momentos difíceis, que queremos e nos querem bem. 

O que aprendi com essas vidas? O poder do amor. Quantas vidas conheci, quantas histórias me contaram, arrependimentos, angústias, alegrias. De tudo o que ouvi, sei com muita clareza que no fim da vida nos arrependemos: do que não se amou; do que se deixou de fazer pelo valor do dinheiro; quando o “ter” se elevou na vida pessoal em vez do “ser” e do “estar com quem se ama”.

Ninguém em todos esses anos quis morrer, quis separar-se dos que amava para aliviar o sofrimento, se todas essas pessoas que conheci pudessem gritar diziam-nos que o que vale na vida é: o amor. E isso dá-lhe dignidade até ao ultimo suspiro, até ao ultimo momento. Morrer é tão natural como nascer. Por vezes, o percurso é curto, outras é longo e penoso, mas encurtar esse percurso em nada melhora a dignidade de quem adoeceu, apenas pode poupar uns tostões mas não a nossa consciência!

Como mulher, mãe e profissional de saúde, não posso e não quero uma mão que trata os doentes e como oferta tem um “alívio do sofrimento”. Se um dia for eu a doente quero uma mão que segura a minha no sofrimento. Isso sim é cuidar, o resto é demagogia! 

“Cuidar é um dom. Continue sempre com esse dom.” -  Foram as únicas palavras que um dia um filho de uma querida doente terminal - que até hoje recordo o seu sorriso – me disse após a morte da sua mãe após longos anos de sofrimento.

Se cuidar é um dom … o que há de mais humano que cuidar? 

Helena Atalaia
Mestre em Fisioterapia
Especialidade Envelhecimento pela
Escola Superior de Saúde do Alcoitão.




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