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sexta-feira, 24 de novembro de 2017

O Outono

Gosto do outono. Gosto dos dias enevoados. Gosto do verde das árvores que se vai transformando em amarelo, laranja, vermelho, cor de canela. Gosto de caminhar por cima das folhas secas e do restolhar que elas fazem. Gosto do cheiro e do fumo das castanhas. Gosto de sair à rua com o pescoço embrulhado em várias voltas de cachecol. E gosto sobretudo dessa flor de outono que é o crisântemo. Na minha infância, era a única flor com que se homenageavam os mortos em 2 de novembro, o dia de Finados, ou simplesmente os Fiéis, como cá se diz. As campas rasas eram cobertas com crisântemos brancos desfolhados. E não havia mármore que suplantasse essa magnífica mancha de pétalas brancas.

Depois, então, havia a variedade dos arranjos feitos com crisântemos amarelos, vermelhos, cinzentos, uns grandes, outros pequenos, uns em forma de novelo, outros aguçados, como se fossem palitos. É pena que essa tradição tivesse desaparecido, e os crisântemos fossem substituídos, no dia dos Fiéis, por toda a espécie de flores. Mas a marcha do tempo não para, e as estufas substituíram os jardins. Mas pela Europa fora, ela continua.

O crisântemo é uma flor curiosa. Ao contrário das outras flores que precisam de muita luminosidade para florirem, o crisântemo só floresce nos dias curtos, portanto no outono. O excesso de luz solar impede a produção de botões florais. É um fenómeno relativo raro no domínio das flores.

Cultivado na Ásia há cerca de 2500 anos, há hoje 3.000 variedades diferentes. Introduzido no Japão no séc. VIII, tornou-se imediatamente a flor emblemática da Família Imperial. Os crisântemos de grandes flores foram introduzidos na Europa, por volta de 1860, tornando-se as flores que se ofereciam aos convidados de honra e aos grandes deste mundo, nas cortes europeias.

A tradição de usar crisântemos para homenagear os mortos, remonta ao final da Primeira Guerra Mundial, quando, depois de se ter assinado o Armistício em Versailles, Paris, em 11 de novembro de 1918, foi decidido florir as campas dos soldados mortos durante esse medonho cataclismo, nos imensos cemitérios militares do norte de França. Escolheu-se o crisântemo, não só por ser a flor que estava aberta nessa data, mas também por ser resistente à geada. A partir daí, passou a ser utilizada em dia de Finados em toda a Europa até aos dias de hoje.

E já que falamos de crisântemos, falemos também de ciprestes. A mitologia grega consagra o cipreste a Hades, o deus dos mortos. Provavelmente em razão da sua grande duração de vida, da sua folhagem persistente é um símbolo de eternidade, tal como o cemitério é considerado pelos cristãos o local onde se espera a ressurreição final. A palavra cemitério, que significa em grego jazer ou deitar, foi escolhida pelos primeiros cristãos em vez de necrópole, porque esta palavra significa cidade dos mortos, e para os cristãos a morte é apenas o adormecimento.

Orígenes, filósofo e teólogo cristão do séc III, vê no cipreste um símbolo das virtudes espirituais, pois exala muito bom aroma, o perfume da santidade, representando a esperança na vida eterna. Por isso, a sua madeira serve para fabricar as urnas dos papas e dos altos dignatários da Igreja Católica.


Cecília Rezende



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