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sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Colher o que se Plantou

Quando damos tudo, recebemos tudo, mesmo quase sem nos apercebermos. Menciono esta frase em virtude de me ter vindo ao pensamento um momento vivenciado há alguns anos, quando fui visitar uma familiar ao Rio de Janeiro durante as férias da Páscoa. Na realidade, todos somos únicos e diferentes, sendo que cada um segue o seu próprio caminho. Feliz com esta estadia numa cidade maravilhosa, com bom tempo e muito sol, usufruindo da companhia de um ente querido, os dias foram passando de um modo muito agradável. A minha prima, que estudava nesta cidade, fazia questão de me mostrar tudo o que tinha conhecido desde a sua chegada. Proporcionou-me uma tarde única, no Café do 18 situado no Forte de Copacabana sobre o mar, entre Copacabana e Ipanema. Que paisagem maravilhosa, mesmo de suster a respiração! Em amena conversa, entre segredos partilhados, comentei que gostaria de assistir à Vigília Pascal, como era aliás hábito fazê-lo em Portugal. A minha prima desde logo se disponibilizou para me levar a um local que, na sua opinião, seria o melhor, bem como o mais seguro, para participarmos nesta Vigília: no Mosteiro de São Bento. Pensei interiormente, como o tempo passa. Muito amiga de sua mãe, tinha acompanhado a sua evolução ao longo dos anos, os aniversários, o seu percurso académico, os diferentes acontecimentos familiares. Agora era chegado o tempo de colher o que tinha plantado usufruindo da sua companhia.

Quando chegámos ao Mosteiro de S. Bento, situado no Morro de S. Bento, no Centro Histórico da cidade, fiquei agradavelmente surpreendida. Soube que constituía ainda um local de vida monástica, já com mais de 400 anos de existência. A Abadia de Nossa Senhora de Monserrate que se situa ao seu lado é um dos mais preciosos monumentos arquitetónicos do Rio de Janeiro. Foi mandado construir pelos monges beneditinos que vieram da Bahia em 1590, graças a uma doação destes terrenos. A parte financeira contou com os rendimentos provenientes da produção da cana-de-açúcar em outros terrenos igualmente doados aos monges. As pedras utilizadas como matéria-prima vieram do Morro da Viúva, no atual Bairro do Flamengo. Ao lado do Mosteiro, existe também um famoso estabelecimento de educação “O Colégio de S. Bento”. Também possui a Faculdade de S. Bento, que ministra cursos de Teologia e Filosofia, a Casa de Retiros de Emaús, Obra Social de S. Bento, entre outros.

Entrei na igreja cuja fachada possui um estilo sóbrio e austero, quase sem ornamentação, “Renascimento Tardio” ou “Maneirismo Português”, que contrastava com a opulência do seu interior barroco que me deixou completamente maravilhada e sem palavras, traduzindo-se num ambiente convidativo ao silêncio, à paz, à oração. As esculturas e os entalhes são considerados um dos mais belos exemplares do barroco brasileiro e, se me permitem, de uma enorme importância artística mesmo a nível mundial. É simplesmente deslumbrante, de suster a respiração, esta grandiosidade e beleza ímpares. Não somente a talha decorativa, mas também as grandes esculturas de santos que se encontram na nave contribuem para o embelezamento da Igreja. De realçar ainda a Capela do Santíssimo, devido à talha toda dourada, numa abordagem rococó, tornando-se assim de uma beleza sublime. Comentei com a minha prima que não esperava deparar-me com um monumento tão belo. Sorriu com um ar cúmplice e comentou que me queria fazer uma surpresa que me iria tornar inesquecível a noite mais longa do ano. Saímos entretanto, já que a Vigília Pascal, como é hábito, começou no exterior, às escuras, apenas iluminada pela existência de uma fogueira. Depois do rito inicial, feito pelos monges beneditinos, entrámos às escuras na Igreja, apenas com a claridade da luz das velas.

Ainda assim foi o suficiente para assustar os morcegos aí existentes que, desorientados e ofuscados pela luz, começaram a sobrevoar as nossas cabeças até se recolherem nos seus esconderijos. Nunca mais vou esquecer este facto algo insólito. Na verdade, já sabia que estes morcegos ajudavam a manter as talhas, comendo os insetos, ou seja, contribuindo para a sua conservação. Só que não estava à espera e bem depressa o episódio foi esquecido face à beleza da cerimónia, ao seu simbolismo, ao canto gregoriano que nos fazia antever o céu. Foi a cerimónia litúrgica mais bonita, e mais longa a que assisti em toda a minha vida. Com a mudança de fuso horário, pela madrugada adiante, foi com algum grau de dificuldade que consegui manter os olhos abertos. Mas pensava qual o fim que ali me tinha trazido, que estava a acompanhar Jesus no seu sofrimento e posterior ressurreição, em todas as pessoas queridas, entre outras intenções particulares. E assim, admirada com a resistência da minha prima, chegámos ao momento final desta Vigília Pascal, felizes pela possibilidade que nos tinha sido concedida, de ser passada num local tão especial que perduraria para sempre na nossa memória, felizes porque “Cristo vive. Jesus que morreu na cruz ressuscitou, triunfou da morte, do poder das trevas, da dor e da angústia. Este era o dia que o Senhor fez, alegremo-nos”. O tempo pascal que iniciávamos era um tempo de alegria… porque Cristo vive. Cristo não é uma figura que passou e que se foi embora. Não, Cristo vive. Jesus é Emanuel, Deus connosco. Depois, foi chegada a hora de regressar ao seu apartamento, de tomar um pequeno-almoço reconfortante e de descansar um pouco. A noite tinha sido longa. Felizmente, tudo tinha corrido pelo melhor e em segurança.

Termino este artigo sentindo-me feliz por ter feito companhia à minha prima e por ela também ter retribuído. Era bom usufruir da companhia de um familiar na época de férias quando se está longe e só. Estava mesmo a colher tudo o que tinha plantado com uma grande generosidade e preocupação da sua parte. Deus é grande. Escreve direito por linhas tortas.

Maria Helena Paes





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