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segunda-feira, 25 de setembro de 2017

5 de Outubro, um “glorious day” outonal

«O republicanismo tem entre nós raízes no ideário democrático e igualitário da Revolução Francesa e esteve sempre presente na ala esquerda do liberalismo português, do vintismo ao setembrismo. É, no entanto a partir do clima de paixão ideológica e de radicalização intelectual que rodeiam a Questão Coimbrã – e à volta de algumas propostas dos jovens desta geração, no período da Comuna de Paris – que o republicanismo ganha algum lugar em termos de opinião pública. (…)

Outro tema forte da agenda e da propaganda republicana foi o factor anticatólico, ou melhor, a hostilidade à Igreja e às congregações e ordens religiosas, consideradas como aliadas da monarquia e próximas dos elementos mais conservadores e reaccionários da Corte. Esta linha – anticlerical e mesmo anticatólica – era também apoiada pela Maçonaria, onde avultavam nomes importantes de republicanos, como dois dos chefes da conspiração que morreram nas vésperas do 5 de Outubro – Cândido dos Reis, que se suicida ao pensar o movimento comprometido, e Miguel Bombarda, assassinado por um paranóico, seu paciente. Na época haveria em Portugal cerca de 3 000 mações agrupados em 150 lojas. Importante e mais activista no terreno era a Carbonária, uma organização secreta, de origem italiana, agrupada segundo uma terminologia ligada ao “carvão” – com uma distribuição hierárquica em choças, barracas e vendas – e cujo recrutamento aumentou muito nos anos finais da monarquia. A Carbonária era chefiada por Luz Almeida e teve um papel decisivo na violência republicana, nas vésperas do 5 de Outubro, mantendo-se activa durante o regime republicano como uma espécie de milícia ou de força supletiva contra os inimigos da República, da direita ou da esquerda. (…)

A tomada do poder pelos republicanos não foi difícil: como quase sempre sucede no Portugal contemporâneo, não é a oposição que conquista o poder mas a situação que o perde. (…)

No final desse 5 de Outubro, um “glorious day” outonal, segundo Carlos Malheiro Dias, quando a surpreendente vitória da República tomava pé, bandos de populares agrediram sacerdotes e dirigentes conservadores, procedendo a assaltos a residências particulares do município. Um dos assaltos foi à casa dos Padres Lazaristas, na Calçada de Arroios: centenas de revolucionários civis, com marinheiros, soldados e polícias à mistura, vieram sitiar a residência na noite de 4 para 5 de Outubro. Na casa havia 10 padres 5 irmãos e 24 alunos. Na tarde do dia 5, já depois do triunfo da Revolução, os assaltantes invadem a residência que começam a saquear. O Padre Fragues que, de crucifixo na mão, procurava proteger os alunos, é alvejado à queima-roupa pelos invasores, que a seguir o acabam à coronhada. Na biblioteca estão concentrados padres e alunos que recebem uma absolvição geral. O Padre Barros Gomes, eminente cientista, continua a rezar impassível quando é atingido por vários disparos. Depois dão-lhe a frio o tiro de misericórdia…O massacre só acaba quando um dos revolucionários, com mais autoridade, consegue impor-se à turba. (…)

“Acabar com a Igreja em duas gerações”

O conflito permanente com a Igreja Católica vai ser uma constante da I República na sua primeira fase, concretizado por uma legislação hostil, pela supressão dos direitos e liberdades do clero, pelo corte de relações com a Santa Sé e por um jacobinismo militante, inspirado na III República Francesa e instigado pelo positivismo da época. Afonso Costa propõe-se mesmo acabar com a religião.

Com efeito, a seguir aos assaltos populares e aos crimes de rua, os democráticos poriam em prática um masterplan de grande envergadura, o tal que, para Afonso Costa, era a forma de extinguir o catolicismo de Portugal em duas gerações. Foi decretada a Lei da Separação* e cortadas as relações com a Santa Sé, acabou o ensino da religião nas escolas; bispos e sacerdotes foram detidos e deportados para fora das dioceses; foram expulsas as ordens religiosas masculinas (Jesuítas, Franciscanos, Espiritanos, Beneditinos, Salesianos, Lazaristas) e as ordens femininas (Doroteias, Irmãs dos Pobres, Hospitaleiras, Missionárias de Maria), congregações com longa experiência de “assistência social e médica e de missionação no Ultramar. Mais que anticlericalismo, na tradição regalista do pombalismo, era a guerra aberta contra a Igreja, era anticatolicismo». In: António de Oliveira Salazar, o outro retrato, de Jaime Nogueira Pinto.

No emaranhado da História à qual pertencemos é sempre salutar ler e ouvir várias versões, pois a realidade é plurifacetada e muitas forças convergem no seu seio. Podemos ou não concordar com algumas, mas não estamos dispensados de as conhecer, de saber como procederam e de as reflectir tentando integrá-las no seu todo, para se compreender as suas consequências e reflexos nos dias que nos assistem.

* Ver “O ESTADO E A IGREJA EM PORTUGAL NO INCÍO DO SÉCULO XX”, do P. João Seabra 

Rafael S. Silva



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