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quarta-feira, 31 de maio de 2017

Das hostes do nada

Pode virar moda as pessoas se identificarem nas redes sociais como cristãos por batismo. Como a dizer: meus caros, fui forçado na infância por meus pais e padrinhos. Como se houvesse padecido de uma violência que ora denuncia. Subliminar a esta espécie de reclame pessoal, entretanto, creio existir pela negação uma segunda afirmação: não sou lá muito cristão e de fato nem sei mais o que sou. Esta faceta da realidade em países como Brasil, Portugal, Espanha e Itália seria inimaginável meio século atrás, quando todo e qualquer nascituro seria por certo mais um cristão que acabara de chegar ao mundo. E a pia batismal o esperava, para júbilo de todos.

Observa-se que de uns tempos para cá as classes mais privilegiadas pela sorte têm caído na armadilha de atribuírem à fé cristã o irracionalismo. Ou seja, a crença nas coisas cristãs seria adequada apenas para analfabetos e ignorantes. Ou para pobretões. Uma coisa ultrapassada, incompatível com a vida de quem pensa, de quem lança mão da modernidade, de quem não acredita em conversa mole, de quem não se deixa enganar pelo papo furado de um  religioso. Curiosamente estas pessoas - em número visivelmente crescente e com duvidosa caridade,- indagam sobre o futuro da Igreja. Como se estivessem de fato preocupados com seu destino, quando mais não foram que detratores pertinazes ao longo de suas existências.

Em pleno mês de fevereiro tive que enfrentar a grama alta de nosso pátio, do qual nos havíamos ausentado por dois meses. Enquanto tosava o topete daquele mato pisei em um formigueiro, cujos soldados me aplicaram várias picadas. Comecei a cortar a grama a meia distância, com os braços quase estendidos, afinal uma picada não é nada mas as muitas que levei já começavam a incomodar. Quando me aproximei do muro lateral percebi que havia uma cachopa de marimbondos. Fechada, não denunciava a presença dos temíveis insetos. Desci o pé e arriei a construção. Como se fossem uma esquadrilha de defesa algumas dezenas se puseram a voar. Saí de perto, satisfeito pelo resultado. Ora bolas, aquilo não era lugar para marimbondos.

Minha avó paterna morava num sobrado velho, de madeira, na rua Assis Brasil, em cujos beirais os marimbondos construíam habitações populosas. Meu tio e padrinho de quando em vez tocava fogo naquela turma, com a ajuda de uma taquara e de um chumaço embebido em querosene. Que perigo! Quando a cachopa enfim vinha ao chão, após a perigosa operação, minha pobre vó devia respirar aliviada e quem sabe agradecia a Deus diante das imagens que mantinha em seu quarto em dois oratórios de madeira. Enquanto cortava a grama e amargava o veneno das formigas nos dedos dos pés algo me picou prá valer no calcanhar. Um marimbondo perdido e irado me confundiu com algum Aquiles. Doeu, mas pelo menos esqueci as picadas das formigas.

Assim tenho visto os ataques ao cristianismo. Das formigas e de vez em quando de insetos maiores, como os marimbondos, como a mensagem que recebi de um conhecido. Voltou à cantilena de que o mundo esclarecido já se afastou há tempo do cristianismo, como deu-se na desenvolvida Europa. Respondi que o cristianismo padece como um todo num mundo secularizado, indiferente, ávido por poder e glória. Um mundo esquecido de que somos pequenas criaturas. E que o abismo do apocalipse pessoal se aproxima, portemos nós celulares ou tablets ou nada disto, tenhamos nós um burro ou um Audi. A tecnologia não muda nosso drama final, tomemos cachaça ou champanhe francês. E esta realidade não se alterará jamais, esteja o homem num casebre ou contando partículas subatômicas ou muito dinheiro.

E a quantidade de cristãos no mundo? Respondi que supostamente tem diminuído, mas que não há porque cair em desânimo. Os cristãos são o sal da terra e como sabemos pequenas pitadas de sal dão sabor a grandes panelas. O homem moderno, o europeu agnóstico ou ateu - este homem embevecido que deixou Deus para trás,- é como uma criança que imagina fugir de casa vestindo pijama, com um urso de pelúcia à mão. Não devemos nos preocupar com o cristianismo, que estará de pé no fim dos tempos. Devemos nos preocupar com a horda humana que caminha a esmo. Que bebe dos melhores licores e mesmo assim não sacia sua sede.

O cristianismo sempre terá os homens de que necessita, em todo tempo e lugar. Como teve em plena decadência São Francisco de Assis. Ou Teresa de Calcutá, recentemente, a Madre canonizada. E terá outros santos na hora e lugar mais justos. Formigas e marimbondos perguntam o que será da Igreja. Eu me pergunto o que será deles.

J. B. Teixeira



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