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sexta-feira, 31 de março de 2017

Identidades

Ao entrar na vida, ao estrear a vida, deparamo-nos com perguntas muito sérias, tais como: o que é? quem é? para que serve? como é? como se faz? onde está? etc. Numa idade mais avançada, chega-se à questão crucial “quem sou eu?” e à laboriosa constatação de “eu não sou, mas estou-me  fazendo”.

Creio que esta resposta necessita de algumas explicações. Está claro que as pessoas já são pessoas desde o momento da sua concepção; não são couves nem hipopótamos e, portanto, já estão na posse da sua principal identidade: ser pessoa. Porém, a pessoa não nasce pronta como acontece com as máquinas que apenas se vão deteriorando, quer sejam usadas ou não, a partir do momento em que estão prontas para ir para a loja. Cada pessoa se vai aprontando (e sendo aprontada) ao longo de algum tempo: o que durar a sua vida. Assim, o seu tempo vai fazer parte da sua identidade. Embora as virtudes e os defeitos sejam comuns a todos os homens, o modo de os viver está relacionado com a época histórica e a região geográfica em que decorre a vida. Por exemplo, o amor conjugal pode ter começado, na idade das cavernas, com uma mocada na cabeça da noiva. Coisa muito perigosa de se fazer no séc. XXI. A defesa da honra, que é muito de louvar, tomou formas sangrentas em certas épocas e lugares (vinganças, duelos, ciladas...). No entanto, apesar dos costumes do tempo e do lugar, o Homem tem sempre a capacidade de pensar e sentir. Primeiro, sente dor e prazer; tristeza e alegria. Então, pensa em defender-se do que faz sofrer e busca o que dá gozo; para si, para os seus, para a sua tribo, para a sua pátria.

Esta capacidade de ser sentipensante (uma das “palavras roubadas” do jornalista Eduardo Galeano) é outra característica da pessoa humana e bem importante na construção da sua identidade: os seus gostos e sentimentos vão-na conduzindo para a sua profissão e acção. O homem é aquilo que faz, o que constrói.

Neste ponto, é curioso pensar na descendência, nos filhos de cada pessoa, sejam eles “biológicos” ou não. De facto, os “filhos biológicos” gerados por fecundação “in vitro” geralmente pouco ou nada recebem da identidade paterna que “identificam” apenas por um número de código do laboratório. Cada filho fica bem identificado se, além de conhecer o pai e a mãe, tiver oportunidade de conviver com tios, avós, primos... se puder conviver com a sua história passada e actual, pois as suas raízes, tal como os seus familiares e amigos, vão influenciar a sua vida. Os professores, educadores, sacerdotes, amigos, leituras... também ajudam na construção da identidade.

Até a moda ajuda a identificar a pessoa. E não me refiro apenas ao modo de vestir embora, sim, seja pela vista que conseguimos ter um primeiro conhecimento da identidade de alguém, ao fixar o seu rosto, o seu sorriso, os seus gestos, o modo como se apresenta, etc. O ouvido ajuda a identificar o seu estado de espírito (alegria, raiva, cólera...), a idade (linguagem, vocabulário), nacionalidade ou região geográfica (nortenha, açoriana...).

É importante a identificação de cada pessoa para se pertencer, para poder “ser dona de si” , pois só assim se poderá oferecer. Não podemos dar o que não possuímos e ninguém possui aquilo que está incapaz de identificar, de conhecer. A oferta ganha valor se é bem conhecida pelo ofertante, pois leva consigo uma história, um sentimento (o quadro do próprio pintor, uns versos do poeta, uma recordação de família...)

A família (que é a caixa forte da identidade) está em risco. Os meios de comunicação social noticiam, tendenciosamente (no sentido de terem tendência para isso) os comportamentos mórbidos e feios da humanidade, esquecendo os mais comuns e que melhor identificam o homem: laboriosidade, paternidade, honestidade, coragem, tenacidade, honradez e um longo etc. que chega, muitas vezes ao heroísmo.

A identidade completa-se com esta luta permanente entre o meu comodismo e o heroísmo que busco alcançar e só terminará ao acabar o meu tempo de vida.

Isabel Vasco Costa



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