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domingo, 6 de novembro de 2016

Os Refugiados em Debate

Na Residência Universitária dos Álamos, em Lisboa, houve a oportunidade de reflectir sobre o drama actual dos refugiados, a partir de um filme e do comentário feito por um convidado com especiais inquietações humanitárias.

O filme, The Good Lie, centra-se na história de quatro sudaneses que ficaram órfãos na guerra do Sudão. Depois de vários anos a viver num campo de refugiados, emigram para os EUA, onde deparam com um acidentado caminho de integração. Nesse percurso, aqueles que os receberam percorrem a custo um processo de aprendizagem na maneira de olhar para o outro, desconhecido e diferente. Aqueles sudaneses estavam habituados a viver com muito pouco e sabiam apreciar aquilo com que se conseguiam sustentar em cada dia, por pouco que fosse, e valorizar cada pequeno gesto ou bem.
 
Tivemos connosco Rui Marques, o responsável da PAR (Plataforma de Apoio aos Refugiados). A conversa partiu do filme The Good Lie mas centrou-se na actual crise de refugiados que se vive na Europa e no Médio Oriente.
 
Perante o actual cenário de guerra no Médio Oriente e de êxodo de refugiados para a Europa surgem frequentemente várias interrogações na opinião pública e provavelmente na opinião de cada um de nós: “Virão terroristas? Há uma invasão? Vai haver uma “islamização? O que temos chega para todos ou somos pobres de mais para partilhar o que temos?” Surgem também alguns perigos: cair em generalizações erradas como confundir muçulmanos e terroristas, deixarmo-nos manipular por informações falsas e campanhas xenófobas, deixar que o receio cresça e se transforme em ódio, acreditar na manipulação de certas notícias negativas ou na exacerbação da opinião pública hostil, etc.  
 
Parar, escutar e olhar, para não atropelar, consiste, neste caso, na recusa de alarmismos e preconceitos, na preocupação por conhecer a história do outro e por vestir a sua pele. Seria interessante e fundamental desenvolvermos a capacidade de nos impressionarmos e comovermos perante o sofrimento dos outros, pormo-nos na sua pele, sentirmo-nos tocados por essas pessoas, propagarmos ondas de solidariedade, ainda que, na prática, possamos fazer pouco... Trata-se de compreender a situação, de nos sentirmos próximos e de nos mostrarmos como seres humanos. 
 
Rui Marques recordou-nos algo que se fez nas escolas portuguesas no ano lectivo passado. Foi proposto um exercício de empatia dos alunos com a experiência dos refugiados sírios. Cada aluno levou para escola uma mochila com aquilo que teria de levar se fosse um refugiado que fugia da guerra na Síria. Assim aquelas crianças puderam sentir verdadeira compaixão.
 
Ao olharmos para a Síria, avistamos um povo que convive habitualmente com bombas a explodir por perto, sem saber se estarão vivas no dia a seguir nem se terão vivos os seus familiares. Sabemos que já houve mais de 4 milhões de sírios que decidiram fugir para um cenário diferente, arriscando a vida e o futuro, pessoas que viviam o seu normal curso de vida. De repente, amigos e familiares de uns servem de pasto das bombas, os de outros ficam gravemente feridos, a comida e a água escasseiam, os perigos aumentam e é preciso escolher entre partir com risco de vida ou ficar num cenário de morte instalada. Seguem-se alguns destinos em concreto.
 
A maior parte dos refugiados, normalmente, não pensa em vir para a Europa. Mas, infelizmente, muitos dos refugiados que se dirigiam para os campos de refugiados do Líbano, da Turquia e da Jordânia, recentemente e de repente, sofreram um duro golpe das Nações Unidas: num período em que a fome e a sede aumentam, viram cortada a 40 % a assistência alimentar internacional vendo-se, assim, obrigados ao êxodo desesperado para a Europa, onde esperam encontrar um sustento mais generoso, depois de um percurso cheio de perigos. Muitos deles - na maior parte crianças, mulheres e idosos -, ficam pelo caminho.  
 
Perante isto, “temos de decidir que Europa é que queremos ser: a Europa que salva, ou a que deixa morrer”. Tristemente, a gestão da crise dos refugiados pela UE é actualmente um escândalo caracterizado pela demora no processo de acolhimento, pelo excesso de burocracia e pela falta de vontade política. Um exemplo gráfico está patente no contraste arrasador verificado entre o número de refugiados que a Europa recebeu até agora (Junho 2016) e aquele a que, em Setembro 2015, se tinha comprometido receber: 160 mil pessoas. Mesmo este número é “completamente ridículo para um conjunto de países que tem mais de 500 milhões de pessoas. Só o Líbano, um país pobre que não tem os recursos da Europa, tem 25% da população, cerca de um milhão de pessoas que são refugiados. A Jordânia tem 600 mil. E a Europa está a discutir 160 mil para os 28 países? Temos de ter a noção do ridículo das discussões que temos", diz Rui Marques.
 
Por um lado, é verdade que o acolhimento de tantos refugiados implicará sempre um maior risco para a segurança dos países de acolhimento. Por outro lado, o “princípio do acolhimento é inegociável. Claro que tem riscos, mas não é por ter riscos que vamos renunciar ao princípio”. Além disso, é “inacreditável se fizermos os refugiados pagar a factura do terrorismo”. Torna-se evidente que temos o dever de afirmar a coragem de “acolher quem, tendo perdido tudo, procura uma oportunidade de recomeçar a vida. Acolher quem, tendo sofrido as dores provocadas pela guerra e por outros conflitos, procura um abrigo e uma comunidade que os receba como seres humanos iguais a nós. Acolher quem espera que a Europa seja a terra da solidariedade, dos Direitos Humanos e do convívio pacífico entre a diversidade”. Apesar dos riscos, temos de ter a coragem de nos mobilizarmos “pelos valores da hospitalidade”. “A actual crise não é só a maior crise humanitária na Europa desde a IIª Guerra Mundial. É um momento fundamental para o nosso futuro colectivo. Por estes dias vamo-nos definir. Quem somos, o que queremos, para onde vamos enquanto civilização. A resposta está em cada um/a de nós. E não deve ser condicionada pelo medo”.
 
Agradecemos imenso a disponibilidade e presença do coordenador da PAR, Rui Marques, nos Álamos, neste final de dia, que nos permitiu aprofundar nesta realidade tão importante e, provavelmente a muitas, ultrapassar preconceitos e abrir novos horizontes sobre o acolhimento de refugiados da Síria e médio Oriente na Europa e também em Portugal.
Madalena Brito
(doutoranda de
Estudos Clássicos
na FLUL)










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