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domingo, 18 de setembro de 2016

Contra a indiferença

Palavra e Pão 32                                                                                                            XXVI Domingo do Tempo Comum

Não são coisa nova, mas tornam-se particularmente evidentes em tempos de abundância como o nosso, a avidez de bens materiais e a sua fruição egoísta. Fechadas em si mesmas pela soberba, pela ganância e pela luxúria, as pessoas tornam-se espiritualmente surdas e insensíveis aos problemas e sofrimentos dos outros. A globalização da indiferença, denunciada e combatida pelo Papa Francisco, está muito longe de ser um exagero retórico na nossa sociedade.
 
A primeira leitura do próximo domingo, da profecia de Amós, anuncia a desgraça que em breve iria desabar sobre aquele bando de voluptuosos que viviam tranquilamente em Sião, indiferentes e insensíveis ao sofrimento dos israelitas deportados para a Assíria como escravos. A parábola do rico avarento sem nome e do pobre Lázaro, contada por Jesus no evangelho deste domingo, sublinha e verbera esta indiferença egoísta, revelando o desfecho desta história em que todos estamos implicados.
 
Sempre que vem ao nosso encontro, Deus faz ressoar de novo, de diversas maneiras, as primeiras interpelações que dirigiu ao homem, segundo o livro do Génesis: Adão, onde estás? (Gn3,9) Onde está o teu irmão? (Gn4,9) Nesta parábola, e mais ainda na vida real da qual a parábola é espelho, onde está cada um de nós? Perante o drama dos refugiados, Europa, onde estás, onde está o teu irmão? Perante o número crescente de pessoas sós e abandonadas como lixo, Portugal, onde estás? Perante o sofrimento de tantos, que como Lázaro têm nome de pessoa mas são desprezados como coisa incómoda e inútil, cristão onde estás, onde está o teu irmão? Como podemos ficar indiferentes aos sofrimentos de tantas pessoas nossas contemporâneas e irmãs para quem não há lugar nesta sociedade tão rica de bens materiais e tão miserável de vida espiritual? Como não verberar a hipocrisia ou a insensatez de quem promove tão cuidadosamente uma ecologia ambiental e abre portas a tudo o que é perversão moral e dá cada vez mais espaço a matilhas e matilhas de cães especializados em ganhar fortunas lambendo e infetando as feridas dos Lázaros do nosso tempo?
 
Não por acaso, Jesus proclama bem-aventurados os pobres e mal-aventurados os ricos e nos adverte seriamente que não podemos servir a Deus e ao dinheiro. Porque todos fomos criados à imagem e semelhança de Deus, é impossível que alguém seja feliz vivendo para si mesmo, de coração fechado aos outros. Quem foi libertado da escravidão do dinheiro e vive como filho de Deus aprendeu a fazer tesouros no Céu, onde a traça e o caruncho não entram e onde os ladrões não arrombam nem roubam (Mt.6,20), aprendeu a ser rico para Deus cultivando a caridade, o amor e a comunhão fraterna, usando os bens materiais para ajudar os necessitados. Não somos donos mas administradores das coisas e, se temos um pouquinho de sabedoria, facilmente compreendemos que é muito melhor ter amigos que aferrolhar riquezas, pois quem dá aos pobres empresta a Deus. Que grande dificuldade ou que impossibilidade tem esta nossa geração para compreender que a verdadeira qualidade da vida depende, não da quantidade de bens que possuímos, mas da qualidade dos nossos relacionamentos com o próximo! Um coração liberto da ganância e habitado pelo Espírito Santo sabe como transformar um tesouro material num tesouro de boas obras, o único tesouro que nos acompanhará quando partirmos deste mundo.
 
Mas nós somos depositários de tesouros ainda mais preciosos, e muitas vezes também não os sabemos administrar. Aquele rico vestido de linho e de púrpura que todos os dias se banqueteia esplendidamente és tu, somos nós cristãos, revestidos de Cristo no Batismo e alimentados na mesa da Eucaristia. Assim como há uma soberba, uma ganância e uma gula materiais há também uma gula, uma soberba e uma ganância espirituais muito mais perniciosas que as materiais. Deixemo-nos trespassar pela espada do espírito que é a palavra de Deus: que procuramos nós na prática religiosa? Quais são as motivações profundas que te levam à Eucaristia, às liturgias e devoções? Se vens apenas para te satisfazer com o encanto próprio do religioso, com os cânticos, com a pregação, com o perfume do incenso e a luz das velas, se vens para fugir da crueza da tua história ou da realidade que te rodeia, tem cuidado, porque esse é talvez o caminho mais curto para te levar ao inferno. Celebramos a Eucaristia para dar glória a Deus ou para afagar a sensibilidade religiosa de pessoas que não se convertem a Cristo nem esperam a vida eterna e apenas se servem d’Ele para prestar culto a si mesmas e usam a Igreja para moldura e cenário das suas vaidades? Ai de quem comunga com devota aparência a hóstia consagrada na missa, e despreza Cristo presente nos pobres e miseráveis que sofrem as consequências dos pecados de toda esta sociedade, esquecendo a palavra de Jesus: o que deixastes de fazer a estes meus irmãos mais pequeninos foi a mim que o deixastes de fazer ( Mt 25,45 )!
 
Onde estás? Que fazes (ou não fazes) ao teu irmão? Tal como os bens materiais, também os bens espirituais que o Senhor nos dá não são apenas para nós próprios, são para alimentarmos tanta gente que vive sem esperança e sem Deus neste mundo, que não escuta a sua Palavra nem recebe os Sacramentos mas que é amada por Ele, tal como nós. Neste sentido, enquanto nos denuncia a gula e avareza materiais e espirituais, esta parábola de Jesus incita-nos à partilha dos bens e à evangelização destes Lázaros que, vagueando pelas periferias ou jazendo à porta da Igreja, esperam saciar-se com as migalhas que caem da mesa do Senhor.
 
Caro leitor: pensa um pouco no linho, na púrpura e no banquete que o Senhor te dá por graça e misericórdia, e não sejas egoísta nem indiferente aos outros, porque também não o é para contigo o Pai que está no céu.

+ J. Marcos

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