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sábado, 19 de dezembro de 2015

"O Genocídio Arménio - 100 Anos de Silêncio": um livro para lançar luz a uma tragédia ainda esquecida

A obra é fruto de entrevistas e reportagens na Arménia e na Síria e tem apoio do Centro Ítalo-Árabe Assadakah


Um livro para que a geração mais jovem conheça o drama de uma tragédia muitas vezes ignorada pelos livros de história e pela comunidade internacional. Com este espírito, foi escrito “O Genocídio Arménio - 100 Anos de Silêncio”, patrocinado pelo Centro Ítalo-Árabe Assadakah, da Sardenha, em parceria com a agência de imprensa Armenpress e com a embaixada arménia na Itália, e nascido de uma missão do jornalista Alessandro Aramu na Arménia.

O jornalista entrevistou os três únicos sobreviventes do genocídio arménio ainda vivos, acompanhado pelo fotógrafo cinematográfico Romolo Eucalitto, que imortalizou, com fotos em preto e branco, os rostos daqueles que viveram as perseguições otomanas e os de seus filhos e descendentes, para quem a memória não é apenas memória, mas vida diária.


O livro é enriquecido com reportagens de Gian Micalessin na Síria, focadas na perseguição do Estado Islâmico aos cristãos, e traz ainda um capítulo sobre Nagorno Karabakh, um território em disputa pela Arménia e pelo Azerbaijão, escrito pela jornalista Anna Mazzone. A apresentação é do jornalista sírio de origem arménia Naman Tarcha e o prefácio é de Raimondo Schiavone, presidente do Centro Ítalo-Árabe.


"A memória das pessoas que viveram esse drama é muito importante num momento em que os descendentes dos sobreviventes arménios que se mudaram para a Síria vêem a história se repetir pelas mãos do Estado Islâmico", declarou Tarcha.


“No ano do centenário do genocídio”, comentou Schiavone, “este livro conta aqueles terríveis acontecimentos com os olhos das testemunhas. É uma parte importantíssima da história ainda negligenciada e negada por muitos. Livros como este servem para ajudar a fazer com que a história não se repita; infelizmente, o que está acontecendo na Síria prova mais uma vez que a história não nos ensinou nada”.


“Um dia”, contou Aramu, “eu estava almoçando com o embaixador arménio na Itália e nos perguntávamos como prestar homenagem às vítimas do genocídio no ano do centenário. Assim nasceu a ideia de recolher directamente os testemunhos de sobreviventes num livro jornalístico, para dar sentido contemporâneo a acontecimentos que já distam um século de nós”.


Um dos centenários entrevistados é Aron, muito activo nas últimas décadas em divulgar o drama do povo arménio. Ela tinha 3 anos na época, mas tem lembranças claras do que aconteceu. São feridas abertas em sua alma. “Ele não falou directamente; falou pela boca da filha. Isso porque, ao longo dos anos, ele exerceu demais a memória e não consegue mais suportar a dor das lembranças. As únicas palavras directas da sua boca foram a sua idade e data de nascimento. Depois, ele escutou o tempo todo, segurando o rosário nas mãos e quase nunca erguendo os olhos lúcidos de emoção e sofrimento”.


Outra testemunha entrevistada é Silvard, "de 103 anos de idade, ainda com a força e o vigor de uma menina". Ela mantém nítidas imagens da resistência de sua família e toda a comunidade arménia aos ataques dos turcos otomanos na região do Monte de Moisés, no sudeste da Anatólia. “Ela se lembra”, destaca o jornalista, “das noites nos bosques, com a mãe e a avó, em busca de frutas para o pai e o tio que lutavam contra os turcos. Ela se lembra do tio assassinado com um tiro na cabeça e do seu corpo jogado num rio. Durante muito tempo, Silvard não comeu peixe, porque o associava à imagem da água tingida de vermelho pelo sangue do seu tio assassinado”.


As entrevistas não são apenas memória individual, mas também de família e de comunidade. Participaram os descendentes dos sobreviventes. “Também entrevistamos transeuntes na rua para ver o que restava do genocídio arménio na pátria actual. Não há um arménio que não o viva como algo presente. Mas eles exercem a memória sem ódio pelo povo turco, com o qual desejam fazer as pazes. O verdadeiro alvo é o governo turco, que ainda não reconhece as próprias culpas”.


Anna Mazzone falou do caso de Nagorno Karabakh, território com 200 mil habitantes de etnia arménia, oficialmente sob o controle do Azerbaijão, mas independente de fato desde 1994, depois de uma guerra de dois anos em que a Arménia apoiou a pequena república separatista. Desde então, o povo de Nagorno Karabakh vive em estado de perene guerra suspensa, com o temor de que uma nova guerra possa irromper a qualquer momento. Assim como o genocídio arménio durante a Primeira Guerra Mundial, também o conflito Armênia-Azerbaijão passou em segundo plano, porque foi contemporâneo à guerra nos Balcãs.


"A República de Nagorno Karabakh tem seu próprio parlamento e sistema de leis baseado no modelo europeu, mas a comunidade internacional não reconhece a sua independência. Durante a minha reportagem, conheci um sacerdote que tinha lutado na guerra e que sempre leva consigo uma arma, porque teme a eclosão de um novo conflito a qualquer momento. Vi situações muito peculiares, como crianças jogando futebol durante 18 minutos, porque 20 minutos é o tempo que se leva para recarregar uma granada e transformá-los em alvos potenciais".


É incontornável a referência à actual situação na Síria e no Iraque. "Ao apoiar o EI contra Assad, o governo turco está cometendo outro genocídio. As vítimas são os yazidis e os sírios e iraquianos cristãos, alguns dos quais de etnia arménia, além dos muçulmanos xiitas. Tudo isso sem a condenação de grande parte da comunidade internacional. Para o Ocidente, a Turquia, como membro da OTAN, é um aliado valioso demais para ser perdido. Por isso, nem o presidente Obama falou jamais de ‘genocídio’ em referência à tragédia do povo arménio".


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