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domingo, 29 de novembro de 2015

"À República Centro-Africana, o papa levará razões para viver numa sociedade tolerante"

Dom Juan José Aguirre, bispo de Bangassou: "Rezemos para que o medo não seja mais forte que a esperança"

Roma, 27 de Novembro de 2015 (ZENIT.org) Rocío Lancho García 

Nas últimas semanas, uma rápida escalada de violência na República Centro-Africana deixou em risco a última etapa da viagem do papa Francisco à África.

Dom Juan José Aguirre, bispo de Bangassou, contou a ZENIT que a sua diocese, localizada naquele país, tem se preparado para a visita do Santo Padre com a oração, pedindo a Deus que o medo não seja mais forte que a esperança. O prelado expressou o desejo de que a visita do papa ajude o país a sair do abismo em que caiu.

Zenit: Excelência, faltando pouco para a chegada do papa, como o país está vivendo essa espera?
Dom Juan José: Com grande fervor e alegria! Em primeiro lugar, quando o papa anunciou a sua visita em resposta aos bispos que o convidaram durante a visita ad limina de maio passado, houve surpresa e alegria sem fim. Quando se soube que Francisco passaria a noite em Bangui, o entusiasmo foi exuberante! Para todos, o papa ia santificar esta terra com a sua presença. Quando a violência deixou a situação mais escura, começamos a orar. Vieram as dúvidas e o nervosismo. No fim, apesar da violência e do risco de ataques, o papa Francisco confirmou que vem. Toda a sociedade, incluindo o governo, está feliz. Agora a preparação é frenética e as expectativas de que tudo vá bem são enormes. Todos acreditam que o papa vai trazer boas razões para se recomeçar a viver numa sociedade tolerante, sem vingança e cheio de futuro.

Zenit: Quais são as expectativas das pessoas em termos de frutos desta viagem?
Dom Juan José: A violência que persiste na África Central há três anos levou a um beco sem saída. Assassinatos e vingança: desde o surgimento da Seleka, em março de 2013, não houve outra coisa. Com a chegada do anti-Balaka, em 5 de dezembro de 2013, as coisas pioraram, os assassinatos aumentaram, a violência se aprofundou, as cidades estão divididas entre muçulmanos e não muçulmanos e há uma espiral de violência até hoje. No último mês foram centenas de mortos e feridos em várias cidades. Com as eleições em dezembro comprometidas por causa da violência, todos acreditamos que, se esta situação não for resolvida pelo Santo Padre, não vai ser resolvida por ninguém. Esta é agora a esperança do povo. Todos esperam que, com as palavras e ações do papa e com sua maneira de tratar a todos, a sociedade se acalme e trace um caminho para a busca da paz.

Zenit: Não há dúvida de que a viagem do papa dará visibilidade a uma nação "esquecida" pelos meios de comunicação e ajudará a comunidade internacional a reagir. Qual é a necessidade mais urgente da República Centro-Africana?  
Dom Juan José: Que as pessoas tenham a paz, o pão de cada dia, que as várias comunidades étnicas vivam juntas em paz. Seria a melhor coisa para a África Central. Sem paz nem pão, tudo fica muito complicado.

Zenit: O papa vai passar menos de 48 horas na República Centro-Africana, mas terá uma série de encontros importantes: campo de refugiados, comunidade muçulmana... Qual vai ser o momento mais significativo da viagem?
Dom Juan José: Tudo vai ser significativo! A visita de um papa não deixa ninguém indiferente, mesmo que fosse apenas um passeio pela nunciatura. Eu acredito que a abertura da Porta Santa do Jubileu da Misericórdia numa cidade ferida e torturada como Bangui é muito significativa. O encontro na mesquita será uma experiência única para a comunidade muçulmana em Bangui. O encontro ecumênico na escola de teologia evangélica é outro ponto forte. A visita ao campo de refugiados internos é outro toque maravilhoso de fraternidade e empatia com os pobres. A missa final no estádio de futebol, com todas as religiões juntas vai ser um impulso para uma Igreja africana que já vive de maneira diferente o Evangelho, que tem muitos mártires e muitas vocações, que está crescendo e será a mais dinâmica do mundo em poucas décadas, e que, um dia, se Deus quiser, vai nos dar um papa africano.

Zenit: O exército francês fala de "alto risco" para a visita do papa a este país. Do seu ponto de vista, qual é a situação atual?  
Dom Juan José: Se o Ministério da Defesa da França diz isso, ele tem suas razões. Pelas mesmas razões, foram cancelados jogos de futebol importantes na Europa. Mas os africanos são diferentes. Em vários bairros de Bangui, na área da paróquia de Fátima, guiada pelos missionários combonianos, a situação é muito tensa, a paróquia está de pé graças ao apoio de três padres, com 3.800 refugiados e tudo ao seu redor queimado, sem vida, destruído. A comitiva do papa não vai entrar nesses bairros para não pôr em risco os fiéis que vão segui-lo aonde quer que ele vá. Bangui é um ninho de vespas. Podem jogar uma granada na multidão, como fizeram no dia 4 de novembro numa reunião universitária. Daquela vez, não explodiu. Era de fabricação chinesa. Mas quem sabe o que vai acontecer depois? Em Bangassou nós passamos uma semana junto com 69 delegados de paróquias para nos prepararmos para esta visita com a oração. O medo não é mais forte do que a nossa esperança. A esperança paira no ar. Mas também há um respeito temeroso, porque a capital vive há um mês uma espiral de violência que os 12.000 soldados da ONU e os 900 soldados franceses da Sangaris não conseguiram parar. O alto risco denunciado pelos franceses não baixou. A África Central se decompôs em três anos. As linhas vermelhas apareceram em todos os lugares, dividindo muçulmanos e não muçulmanos, fragmentando a capital. Há uma epidemia de violência que causa um cheiro de sociedade podre e tensa. A visita do papa Francisco é vista como um processo. Foram 120 mortos e 300 feridos nas últimas semanas. A presença dele pode parar toda essa insensatez criminosa. A fórmula é coragem com cautela.

Zenit: Como transmitir o Evangelho da vida num país que sofre diariamente as consequências da violência? 
Dom Juan José: Com a esperança! Quando tantos outros estão em clima de violência, a Igreja é a última a desligar a luz! Estamos aqui para fazer causa comum com os pobres. Em Bangassou acompanhamos mais de mil órfãos, temos um centro para doentes terminais de aids, 4 lares para idosos acusados ​​de feitiçaria, temos pediatria, maternidade, 20 escolas, centros de saúde... Tudo isso, na minha opinião, é uma injeção de esperança para um povo torturado pela violência de poucos. Aqui nós dizemos que, até quando você perde a esperança, você tem a esperança de recuperar a esperança.

Zenit: O senhor está na República Centro-Africana há 35 anos: como a situação mudou ao longo desse tempo?  
Dom Juan José: Hoje eu acho que estamos pior do que há três anos, quando formos pisoteados por aquela "coligação Seleka". Hoje somos pisados por outros, com nomes diferentes. E eu acho que a África Central está hoje pior do que há 35 anos, quando eu cheguei. A quantidade de sofrimento do povo parece interminável. Os países vizinhos pensam na República Centro-Africana de hoje como verdadeiros predadores. Eles não estão interessados nas pessoas, mas no ouro, petróleo e matérias-primas. As multinacionais e os países que as controlam, mais ainda. A ONU enviou forças de paz marroquinas, congolesas, ruandesas. Eles dizem que não vieram aqui para morrer. Quando estão em apuros, eles tentam salvar a própria pele. Além disso, eu já vi de perto a vergonha das forças de paz da ONU comprando sexo de meninas menores de idade em troca de conservas enlatadas. No início, eles levaram segurança para áreas povoadas, mas agora eles mesmos se perguntam por que estão aqui. Atualmente nós vivemos debaixo de forças que nos levam para onde não queremos, governos que nos obrigam a ficar na corda bamba, violentos que apoiam a guerra e não querem a paz. Eu acho que os que têm tudo a perder são na maioria os muçulmanos moderados, atacados hoje por todos os lados. Esperamos que, com a visita do papa, Deus nos mostre o caminho para sair deste abismo, porque, se continuarmos assim, a força dos violentos vai continuar caindo em cima dos de sempre: os pobres e pacíficos, os que nunca disseram nada, sejam muçulmanos ou não, os que não governam nada, os engolem todos os sapos da história, mesmo não tendo alimentado sapo nenhum.

(27 de Novembro de 2015) © Innovative Media Inc.
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