Páginas

sábado, 19 de setembro de 2015

A Igreja de Santiago Maior, Catedral de Beja


O património da sé conta, assim, com relevantes coleções de pintura, escultura, mobiliário, ourivesaria, paramentaria e azulejaria. Neste último âmbito, destacam-se os painéis oriundos da igreja do convento lisboeta de Santa Mónica (vulgo, Mónicas), à Graça”.

Mais de quatro séculos de história

Tanto a origem como a localização da primitiva igreja de Santiago constituem um enigma por resolver, existindo diversas referências à importância da sua colegiada, uma das mais antigas de Beja, rivalizando com a da matriz de Santa Maria da Feira, paróquia contígua. Alguns autores situam a sede inicial da paróquia na vizinha igreja de Santa Maria da Graça, depois mais conhecida pela invocação de Santo Amaro, que remonta à transição do século V para o século VI. Outros ligam-na a um espaço de culto independente, também extramuros. É provável que, no século XIV, se fixasse no atual sítio, dentro do circuito das muralhas e perto de uma das suas principais portas. Já seria, então, referência no caminho de peregrinação a Compostela.

Texto José António Falcão

O monumento que chegou aos nossos dias sucedeu a esse edifício e constituiu uma obra de raiz, erguida a instâncias de D. Teotónio de Bragança, arcebispo de Évora entre 1578 e 1602. Prelado renovador das estruturas pastorais do vasto território sob a sua jurisdição, de acordo com as instruções emanadas do Concílio de Trento, e mecenas das artes, D. Teotónio interessou-se pela dinamização da vida religiosa de Beja, a segunda cidade da arquidiocese, sede de uma importante vigararia.

Dirigidos pelo arquiteto Jorge Rodrigues, os trabalhos do novo lugar de culto estavam terminados, no essencial, à data da sagração: 14 de julho de 1590.

De planta retangular, com três naves divididas em cinco tramos, a igreja é coberta por abóbadas de arco cruzados com nervuras de aresta estucadas, ainda de tradição gótica.

Porém, a organização espacial, ampla e unitária, obedece já, nitidamente, a um modelo característico da “arquitetura chã” do Alentejo, aproximando-se da tipologia das “igrejas-salão” (hallenkirchen) que teve, como cabeça de série, a paroquial de Santo Antão, de Évora, erigida entre 1557 e 1563, sob a égide do cardeal infante D. Henrique – o antecessor de D. Teodósio de Bragança na cátedra eborense –, com projeto do arquiteto Afonso Álvares, sendo as obras confiadas ao mestre Manuel Pires.

Ao longo do século XVII, realizaram-se grandes beneficiações, incluindo a construção, nos finais da centúria, de vários retábulos de talha dourada e policroma, com os respetivos painéis pictóricos. Outro arcebispo de Évora que deu grande impulso às empreitadas artísticas, D. Fr. Luís da Silva Telles, financiou, em 1692, o retábulo da capela de São Francisco Xavier. O retábulo da capela-mor foi realizado pelo mestre lisboeta Manuel João da Fonseca, em 1696-1697, a expensas da fábrica da igreja, com o auxílio das confrarias e de outras esmolas.

D. José do Patrocínio Dias, promotor da “reconstrução” física e moral da Diocese, escolheu esta igreja para instalar a catedral, sob a invocação do Sagrado Coração de Jesus. Entre 1932 e 1937, efetuou-se profunda remodelação no interior e no exterior do imóvel, orientada por um perito de arte, o dr. Diogo de Castro e Brito, dentro do gosto neomaneirista e neobarroco. A sagração ocorreu em 1946. Ciente do peso simbólico da sé, o bispo-soldado trabalhou afincadamente para juntar ao acervo da paróquia de Santiago Maior notáveis fundos sumptuários, maioritariamente oriundos de conventos extintos de Lisboa, de depósitos do Ministério da Guerra, do Palácio Real das Necessidades e do Paço Ducal de Vila Viçosa.

O património da sé conta, assim, com relevantes coleções de pintura, escultura, mobiliário, ourivesaria, paramentaria e azulejaria. Neste último âmbito, destacam-se os painéis oriundos da igreja do convento lisboeta de Santa Mónica (vulgo, Mónicas), à Graça; fazem parte de um ciclo que inclui, além de episódios bíblicos – sobressaindo os alusivos à Paixão e Morte de Cristo –, numerosas cenas alegóricas, com realce para as inspiradas em gravuras do livro do sacerdote jesuíta Hermann Hugo, Pia Desideria (1624), um clássico da literatura emblemática pós-tridentina.

Também notável, a pinacoteca inclui peças da autoria de pintores ativos em Lisboa, Évora e Beja nos séculos XVI-XVIII. Pela iconografia, tornou-se célebre, apesar da sua discreta qualidade plástica, a tela seiscentista que figura São Luís de Tolosa a salvar D. Dinis do ataque do urso, evocação de uma montaria, ocorrida em 1294, nos “matos do Guadiana”, durante a qual o rei foi salvo da morte pela intervenção miraculosa daquele santo franciscano. 

A criação contemporânea está representada pela Ceia de Emaús, de Severo Portela (1936), na capela do Santíssimo Sacramento.

No campo da escultura, merecem particular nota as imagens, em mármore branco, de quatro santos jesuítas: Santo Inácio de Loiola, São Francisco Xavier, São Luís Gonzaga e Santo Estanislau Kostka, atribuídas a um escultor italiano radicado em Portugal, Giovanni Antonio Bellini, dito Pádua, por ser natural desta cidade (ou do seu alfoz), que se evidenciou como estatuário na remodelação da capela-mor da sé de Évora. Vindas do depósito militar da Cova da Moura, na capital, terão pertencido a uma instituição da Companhia de Jesus, provavelmente o noviciado de Nossa Senhora da Nazaré, em Arroios. Isto leva a aproximá-las de 1733, data inscrita num dos dois retábulos de mármore branco e róseo, também da autoria do mesmo mestre, existentes na sé e provenientes desse colégio.

Quanto ao acervo têxtil, é de salientar a presença, entre outras alfaias de valor, dos sumptuosos estofos, importados de Itália por ocasião do batismo do futuro rei D. Pedro V (1837), para a capela do palácio das Necessidades. 

Bibliografia Selecionada:
[José] Gonçalves Serpa, D. José Patrocínio Dias, Bispo Soldado – Beja, Lisboa, União Gráfica, 1958; id., A Sé de Beja – Sua história em três épocas, [Beja], [edição do autor], 1984; José Pires Gonçalves, Dramática Montaria Real nos Matos do Guadiana no Século XIII, Reguengos de Monsaraz, Palavra, 1982; Túlio Espanca, Inventário Artístico de Portugal, XII, Distrito de Beja. Concelhos de Alvito, Beja, Cuba, Ferreira do Alentejo e Vidigueira, 1-2, Lisboa, Academia Nacional de Belas-Artes, 1992; Francisco Lameira, O Retábulo da Companhia de Jesus em Portugal: 1619-1759, Faro, Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, 2006; id. & José António Falcão, Retábulos na Diocese de Beja, Faro-Beja, Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências Humanas e Sociais-Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja.

in Diário do Alentejo, nº 1735, 24 de Julho de 2015



Sem comentários:

Enviar um comentário