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sábado, 24 de janeiro de 2015

Roberto Benigni, 3 horas na RAI falando sobre os 10 Mandamentos… E o país abre um debate

Contra crises e corrupção, voltar às Tábuas da Lei 

O solilóquio humorístico de Roberto Benigni sobre os 10 Mandamentos
suscitou um debate moral sobre a ética pública em Itália
Actualizado 20 de Dezembro de 2014

Justo Amado/ReL

Três horas falando sobre os 10 mandamentos. Um sermão? Não, um programa de televisão na RAI – a TVE italiana - com um só protagonista: o conhecido actor e director de cinema italiano Roberto Benigni.

Melhor foi um programa em duas partes. A primeira em 15 de Dezembro, sobre os três primeiros mandamentos, os que tem que ver com Deus. A segunda, no dia seguinte, sobre os outros sete.

Se, três horas de sermão e três horas como líder de audiência, com 10 milhões de pessoas de média, ouvindo o não roubarás, não desejarás… E amarás o teu Deus.

Benigni com casaco, camisa branca sem gravata, um lenço no bolso para secar o suor da frente de vez em quando… Uma torrente de palavras, um mestre com as mãos – de resto como qualquer italiano -, um púlpito com umas folhas, umas 300 pessoas no auditório. Um monólogo, portanto. Que vai, um verdadeiro diálogo entre este magnífico actor e qualquer que o escute.

Crises e corrupção? Voltamos à moral!
Incrível fenómeno num país, Itália, no qual quase a metade dos políticos de Roma foram detidos por corrupção.

Pelo contrário que na nossa realidade, aqui em Espanha, onde todo o mundo se queixa dos políticos – “são todos iguais” – mas ninguém fala de como voltar à moral… Em Itália, a televisão pública não duvidou em voltar ao básico, aos mandamentos, que até há pouco a sociedade partilhava como base da moral.

O oscarizado director de cinema italiano não evitava falar desta situação… Ao começar não duvidou em brincar com as luzes de Natal de Roma… Sobretudo essas brancas e azuis em cima dos carros (de polícia) que vão e vem do Campidoglio – a sede do senado italiano – para recolher pessoas…

Sempre intenso, era gracioso em momentos: não roubarás, um mandamento que Deus escreveu em italiano. Moisés ao receber as tábuas com eles não o entendeu…

- E aí que põe?
- Deixa-o, Moisés, está em italiano.
- Em quê?
- Dentro de três mil anos entenderás…


Mas noutros momentos chegava a comover, sobretudo depois de ler – a única leitura que fez nas três horas – um texto do Talmude: “Cuida-te de fazer chorar uma mulher. Deus conta as suas lágrimas. Tirou-a do teu lado. Não dos teus pés, para que não a pisasses. Não da tua cabeça, para que não estivesse por cima de ti. Tirou-a do teu lado, por debaixo do braço, para que a protegesses. Do lado do coração, para que a amasses”. O aplauso, estrondoso.

Quatro dias de debate
Qual foi a reacção ao segundo programa mais visto do ano – o primeiro é o inevitável e enormíssimo Festival de São Remo que paralisa Itália? A imprensa leva quatro dias falando do tema… Até a Vanityfair deu a sua opinião, positiva por suposto, fazendo finca-pé nos momentos más emocionantes.

As redes sociais, de vermelho vivo. O jornal La Repubblica, reconhecendo que Benigni converteu “a televisão em algo digno”

Até recebeu a costumada chamada telefónica do Papa. Um momento de alegria que, segundo os seus familiares, Benigni quis guardar para si.

O show de Benigni suscitou alguns reparos: "A imagem que apresentou da Igreja é a de uma organização que, de certo modo, manipulou voluntariamente os dados bíblicos e reelaborou segundo os seus interesses aspectos do Decálogo", lamenta Gaetano Piccolo, S.I., professor de Filosofia na Pontifícia Universidade Gregoriana.

O sociólogo Giuliano Guzzo, especialista em questões de bioética e família, sublinha em particular que, "escutando Benigni, a Igreja teria substituído a proibição do adultério pela de cometer actos impuros, transformando uma regra aceitável numa prescrição absurda". Elogia, em qualquer caso, que o espectáculo tenha servido "para que milhões de italianos voltem a reflectir sobre os Dez Mandamentos, e isto representa sem dúvida um elemento apreciável, tanto mais numa fase histórica na qual a religião tende a ser relegada ao âmbito individual, separando-a da sua própria e constitutiva dimensão pública".

Como disse o mesmo Benigni: “Brinquei sobre lugares comuns dos italianos. Há uma parte que vive de modo inconsciente, a outra todavia tem a capacidade de raciocinar e de crer nos princípios e nos valores. A esta parte é a que tem que dirigir-se se esperamos reconstruir o país”. Uma frase que nos vem como anel ao dedo, aqui em Espanha.


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