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sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Dom Tomasi: a solidariedade é a resposta para a violência

Observador permanente da Santa Sé em Genebra diz que a comunidade internacional deve evitar o genocídio no Oriente Médio


Roma, 28 de Agosto de 2014 (Zenit.org) Deborah Castellano Lubov


O observador permanente da Santa Sé junto à Organização das Nações Unidas em Genebra, o arcebispo dom Silvano Tomasi, afirmou que o recrudescimento da violência no Iraque despertou o mundo. Ele instou a comunidade internacional a defender e proteger os direitos humanos fundamentais de todas as pessoas atingidas.

Em entrevista concedida a ZENIT nesta terça-feira, durante o Encontro para a Amizade entre os Povos na cidade italiana de Rímini, o arcebispo não apenas opinou sobre a violência no Oriente Médio, mas explicou o que está acontecendo e o que deveria ser feito diante das atrocidades.

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ZENIT: Na conferência de imprensa em Rímini, perguntaram ao senhor o que a Santa Sé está fazendo para responder à crise no Oriente Médio. O senhor disse que ela propôs uma reunião em que os bispos dos territórios afectados no Iraque poderiam se encontrar com o presidente dos Estados Unidos para falar sobre a situação. Pode nos contar mais sobre isso?
Dom Tomasi: Eu não sei se haverá essa reunião com o presidente Obama. Vai haver uma reunião dos bispos, em Washington, com representantes das Igrejas do Oriente Médio. Provavelmente eles vão se reunir com os bispos dos Estados Unidos, mas isso é uma suposição minha. Fora isso, eu não tenho uma agenda concreta. Vamos ter que esperar um pouco para ver. Poderia ser na segunda semana de Setembro.

ZENIT: O senhor acha importante que o presidente dos Estados Unidos participe, para termos resultados concretos e uma resposta do país?
Dom Tomasi: Acho que seria útil ele escutar as pessoas que contam o que viveram em primeira pessoa, que trazem a experiência do que acontece nas suas comunidades, especialmente entre os cristãos e outros grupos religiosos que estão presentes na área da planície de Nínive e em Mossul. O conhecimento direto é sempre útil para tomar decisões muito concretas e prudentes.

ZENIT: O informe do enviado do papa ao Iraque, falando das violações cometidas pelo Estado Islâmico, vai ser apresentado à ONU?
Dom Tomasi: Poderia ser. Em Genebra, foi convocada para 1º de Setembro uma sessão especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU. A Santa Sé poderia apresentar, por exemplo, o testemunho do cardeal Filoni, que visitou recentemente as comunidades religiosas e étnicas do norte do Iraque e os acampamentos de refugiados, para onde as vítimas do chamado califado se viram obrigadas a fugir para sobreviver. A comunidade internacional tem que defender energicamente os direitos fundamentais de todas as pessoas no norte do Iraque e proporcionar a ajuda humanitária de que eles precisam nessa situação desesperada, já que tiveram que fugir só com a roupa do corpo. Os cristãos têm os mesmos direitos humanos que qualquer outro cidadão e a identidade religiosa não pode ser desculpa para a indiferença.

ZENIT: O que o cardeal Filoni disse no informe?
Dom Tomasi: Nas entrevistas que ele deu e nos comentários públicos, o cardeal falou da dor que o auto-denominado califado vem causando a todos os refugiados, do assassinato de gente inocente, da necessidade de a comunidade internacional responder com os recursos necessários, como água e comida para a sobrevivência dessas comunidades desprotegidas. Ele também fez um apelo para proteger essas comunidades e para elas voltarem para casa em condições seguras. A comunidade internacional não pode aceitar que os cristãos, os yazidis e outros grupos religiosos simplesmente tenham que aceitar o exílio por se identificarem como grupos religiosos. As duas observações mais importantes eu acho que são: ajuda humanitária de emergência e protecção. Os patriarcas das Igrejas orientais, tanto ortodoxos como católicos, destacaram que é necessária, por um tempo, a intervenção dos "capacetes azuis" da ONU para estabilizar a situação e garantir a protecção das pessoas que voltam para as suas aldeias.

ZENIT: O que a Santa Sé pode fazer?
Dom Tomasi: Diante de todas as explosões de violência em muitas partes do mundo, mas em particular no Oriente Médio, a Santa Sé tem participado activamente, através da voz do Santo Padre, que não vem poupando esforços nem palavras para dizer que a única solução para o futuro é uma forma de diálogo e de negociação, para que as pessoas respeitem as outras, reconhecendo as suas diferenças e também a humanidade básica que todos nós compartilhamos.

O primeiro passo para responder a esta cultura da violência é reconhecer a dignidade e a igualdade de cada um, como membros da família humana. Por isso, o Santo Padre acrescenta a urgência da oração e da mobilização dos recursos espirituais da comunidade em todo o mundo, para pedir a Deus o dom da paz, porque a paz é um dom de Deus.

E também temos que motivar a comunidade internacional a assumir a sua responsabilidade, porque quando um país não pode proteger os próprios cidadãos por uma variedade de razões, é importante que a comunidade internacional cumpra o seu dever de proteger essas pessoas.

ZENIT: E o dever de proteger essas pessoas envolveria armas?
Dom Tomasi: Escolher os meios de protecção é determinado pelos países, pelos membros da comunidade internacional. Não é tarefa da Igreja indicar os meios específicos que eles devem usar para proteger as pessoas. A Igreja recordará o dever de proteger, e esta responsabilidade tem que ser exercida através do mecanismo que a comunidade internacional deu a si mesma para enfrentar situações de emergência como esta do norte do Iraque.

ZENIT: O que as comunidades cristãs do mundo todo podem fazer para ajudar?
Dom Tomasi: O Santo Padre tem pedido orações e dito que é necessário criar uma opinião pública favorável à protelação dos seres humanos em risco. A comunidade internacional é chamada a proteger as vítimas da opressão que não são defendidas pelo seu próprio governo ou que estão em risco de genocídio, independentemente de serem cristãs, xiitas ou sunitas.

ZENIT: O que a Europa está fazendo para ajudar essas pessoas?
Dom Tomasi: Como parte da comunidade internacional, a União Europeia deveria participar da busca de uma resposta adequada à crise.

ZENIT: Uma vista do papa às Nações Unidas poderia fazer diferença?
Dom Tomasi: Bom, as experiências do passado mostram que as visitas dos papas à ONU sempre geraram não só interesse dos meios de comunicação, mas também uma grande sensibilidade, um senso renovado de responsabilidade da comunidade internacional como tal. Se o papa Francisco decidir visitar a sede da ONU, eu tenho certeza de que poderia gerar não só um interesse pelos problemas relacionados com a paz e a justiça no mundo, mas também seria provável que despertasse um senso de dever na comunidade internacional, para proteger as vítimas de todo tipo de violência e de toda injustiça.

ZENIT: O papa Francisco disse que a situação no Oriente Médio é “a Terceira Guerra Mundial em episódios”. O senhor concorda?
Dom Tomasi: O Santo Padre captou a imaginação do mundo com esta expressão e nos obriga a reflectir sobre os diversos conflitos que há em todo o mundo: na República Centro-Africana, na Líbia, no Congo, na Síria, no norte do Iraque, só para mencionar alguns. Esta explosão de violência condiciona o mundo todo. É verdade que agora há muitos centros de poder com interesses diferentes ou divergentes, mas a globalização de uma cultura em que prevalecem interesses pessoais ou nacionais facilita o recurso às armas como solução para as diferenças. O papa Francisco nos chama a abraçar uma cultura diferente, a da solidariedade e do diálogo, como a única maneira de construir um futuro comum de paz e progresso.

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