Páginas

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Um ateu, um agnóstico, um cristão, um judeu e um muçulmano viajam juntos um ano: que aprendem?

O InterFaith Tour, para conhecer iniciativas inter-religiosas 

Os cinco viajantes do InterFaith Tour contam ao
voltar a França o que viram, com optimismo
Actualizado 9 de Junho de 2014

ReL

Victor (ateu), Josselin (agnóstico), Samuel (cristão), Ilan (judeu) e Ismael (muçulmano) são 5 jovens franceses que viajaram juntos pelo mundo de Julho de 2013 a Junho de 2014 para dar a conhecer o seu projecto inter-religioso (www.interfaithtour.com) e para conhecer e difundir as experiências de diálogo e colaboração inter-religiosa que existem no mundo.

Numa entrevista em francês realizada por Global Voices (es.globalvoicesonline.org), o grupo na casa dos vinte anos explicou o aprendido e experimentado.

Victor, o ateu, assegura que “os franceses estão interessados nos temas inter-religiosos e na componente internacional que proporcionamos” e que “um jornal francês chamou-nos para dizer-nos que o artigo sobre a nossa viagem na sua página do Facebook era o mais partilhado e comentado dos últimos dois anos”.

Concluído o ano de “peregrinação”, todos crêem que cresceram como pessoas e ampliaram a sua visão das coisas, mas sem grandes mudanças na sua autodefinição religiosa.

Josselin define-se como agnóstico, e disse que não deixou de sê-lo com a viagem, ainda que logo explica a sua peculiar definição de agnosticismo: “Creio em Deus, ou em todo o caso no que eu chamo Deus, mas sem incluir-me em nenhuma religião concreta ou prática religiosa particular. Despois desta viagem, estou ainda mais convencido de que todos temos o mesmo Deus e que, por exemplo, tanto cristãos como muçulmanos simplesmente tomam caminhos diferentes para aproximar-se de Deus”.

Samuel, o cristão, sentiu-se questionado no trajecto asiático da viagem: “os três meses na Ásia desde Dezembro até Fevereiro, de Bombaim a Jacarta passando por Tóquio, Pequim e Kuala Lumpur… Esta região é um deserto de comunidades cristãs e pode parecer difícil não sentir-se só. São momentos de grande pobreza que me permitiram enraizar a minha fé num bom terreno, o qual não requer um contexto favorável para dar frutos”.

Ilan, judeu, assegura que “através do encontro com os Demais, reforcei o meu sentimento de pertença à comunidade judaica, a sua história única e os seus valores universais. A viagem terminou “convertendo-me” à fraternidade sem esquecer, em nenhum momento, quem sou e de onde venho. Este duplo efeito – questionar-se a si mesmo e reforçar a tua identidade – parece-me fundamental quando nos projectamos nos encontros com outras pessoas, os quais também são belos e gratificantes”.

Ismael, o muçulmano, afirma: “esta viagem abriu-me ao mundo muito mais do que pensava. Falámos muito frequentemente de temas inter-religiosos durante esta viagem e dos meus dois anos como membro da Associação Coexist (CoexistFoundation.org). Como muçulmano, sempre me fez feliz trabalhar com pessoas de confissões diferentes. Sem dúvida, com muçulmanos que não são sunitas, eu era menos aberto e um pouco desconfiado. Durante esta viagem, teve a oportunidade de ver a divisão existente na comunidade muçulmana mundial. Tenho a esperança de que podemos fazê-lo melhor, já que sempre me recordarei daquele dia depois da oração de sexta-feira na grande mesquita de Muscat, em Omã, onde pude rezar, sem sabê-lo, junto a um ibadi e um xiita. Esse dia fortaleceu a minha crença de que queremos viver juntos e que sempre se pode encontrar pessoas dispostas a ajudar-nos”.

Para o ateu, Victor, é importante “dialogar não só entre crentes, mas também entre não crentes, humanistas e, finalmente, todo o mundo. Na França existe um terço da população que é crente, um terço não crente e outro terço de agnósticos. Portanto, dado que o diálogo inter-religioso é para nós uma ferramenta de coesão social, é necessário dialogar com todos. A minha visão do mundo fortalece-se quando estou em contacto com os demais. É o que nós chamamos o efeito espelho. Além disso, temos sabido identificar a linha entre a afirmação da nossa identidade e a receptividade à do outro. Isto é o que chamamos Coexistência Activa que é o ponto fundamental da mensagem da Associação Coexist”.

Ainda que no projecto original uma rapariga judia chamada Raffaëla ia participar na viagem (inclusive saía no trailer promocional), depois retirou-se do projecto. Os jovens procuraram a participação de raparigas nas reuniões organizadas por Coexist nas diferentes cidades: uma ateia em Berlim, uma cristã na Turquia, uma budista na Índia, uma muçulmana em Singapura e Jacarta…

Na viagem visitaram personalidades mundiais como o Papa Francisco, o Grande Imã da mesquita Al-Azhar do Cairo, e políticos como Laurent Fabius, o ministro francês dos Assuntos Exteriores.

Victor, o ateu, considera que “o encontro com o Papa foi obviamente um dos momentos mais importantes desta viagem, inclusive para os ateus e agnósticos. Reunir-se dez minutos com o homem mais mediático do mundo, a maior autoridade de uma das religiões mais maioritárias do planeta não pode ser menos que impressionante e emotiva. Reunir-se com líderes religiosos e políticos é extremamente importante para nós com o fim de conhecer o que pensam a respeito de assuntos inter-religiosos e até que ponto estão dispostos a comprometer-se com este tema. Ainda assim, há que deixar claro que as pessoas que realmente queríamos conhecer durante a viagem eram pessoas correntes que apesar de tudo trabalham desde há anos pela paz e a reconciliação entre comunidades”.

Um dos países que mais os edificou foi o Burkina Faso, na África Ocidental, onde, explica Victor, “cristãos, muçulmanos e animistas vivem em perfeita harmonia graças a uma tradição centenária de “parenté à plaisanterie” (relação baseada em brincadeiras entre etnias). Esta tradição trata de criar laços sociais através do matrimónio interétnico e, frequentemente, inter-religioso, acalmando as tensões através do riso. As etnias que brincam mutuamente também são etnias unidas por matrimónios. Numa mesma família no Burkina Faso podes encontrar várias religiões que coexistem e convivem pacificamente. Brincar significa além disso expressar estereótipos sobre os demais oralmente, para dizer-se o que se pensa e assim reduzir as tensões ou frustrações em todas as classes sociais da população”.

Enquanto os líderes religiosos que trabalham por uma coexistência edificante, Victor assegura que, além do Papa Francisco, “o grande imã de Al-Azhar também vai nessa direcção a respeito do Islão e pede aos muçulmanos que coexistam activamente com as demais religiões. E líderes religiosos menos conhecidos como o Grande Rabino da Polónia ou o Patriarca maronita [católicos orientais] do Líbano são figuras pioneiras no diálogo e acção inter-religiosa”.

Mais além da viagem, os jovens desejam agora “criar um movimento baseado no InterFaith Tour. Uma nova equipa realizaria a viagem cada ano para descobrir novas zonas do mundo ou continuar com o trabalho que começamos em países nos quais não passamos suficiente tempo.”

Veja também: Sobre uma fé, o documentário com a história de Charles e Gabriel, dois franceses católicos de 23 e 25 anos que viajam um ano em bicicleta conhecendo como vivem os cristãos de países pobres e perseguidos


in


Sem comentários:

Enviar um comentário