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segunda-feira, 28 de abril de 2014

Na Bolívia, os jovens são mais religiosos que mais velhos e os homens mais do que as mulheres

Uma estatística insólita: no resto do mundo é ao contrário

Peregrinos bolivianos na JMJ do Rio de Janeiro - os jovens são
mais devotos que os mais velhos, diz um estudo
Actualizado 21 de Abril de 2014

P.J.G./ReL

Na Bolívia não há ateus, ou pelo menos são estatisticamente irrelevantes.

E os jovens são mais religiosos que os mais velhos.

E as mulheres são menos religiosas que os homens.

E a maioria dos católicos não tem devoção aos santos.

Estas são conclusões (algumas surpreendentes, pelo menos vistas desde Espanha) de uma sondagem realizada em 29 e 30 de Março de 2014 por Captura Consulting em 800 lares de 4 povoações representativas da Bolívia: La Paz (790.000 habitantes), El Alto (650.000 habitantes), Cochabamba (algo mais de 500.000 habitantes) e Santa Cruz (1,1 milhões), zonas que cobrem quase um terço da população do país.

As sondagens de menos de 1.100 entrevistados costumam considerar-se de menor fiabilidade, sobretudo quando se partem os resultados em sub-perguntas (por exemplo, dos que declaram ser católicos, quantos tem devoção a um santo e a qual em concreto?).

Peregrinos bolivianos na JMJ do Brasil
Uma das conclusões do estudo é que ao contrário de que em Espanha e em muitos países ocidentais, na Bolívia os adultos jovens, sejam católicos ou protestantes, são mais religiosos que a média dos bolivianos. 10% dos adultos de 18 a 15 anos vêem-se a si mesmos como “muito religioso”, enquanto nos adultos mais maduros só uns 7% se declaram assim, ou uns 8% entre os mais velhos de 65 anos. Inclusive há mais jovens que dizem “sou muito religioso” (uns 10%) que jovens que digam “não sou religioso” (uns 8%).

71% dos adultos de 18 a 25 anos declaram-se católicos, 15% “cristão” (protestante, entende-se) e 5% “evangelista” (quer dizer, cristão evangélico, provavelmente de estilo pentecostal). As percentagens do total da população são similares. 

O diário boliviano “La Razón” consultou duas personalidades sobre esta (ligeiro) baixa religiosa ao crescer em idade os bolivianos. René Romero, da organização católica Provida, responde que os jovens são naturalmente mais generosos, procurando conhecer “a verdade, procurar os valores e conhecer o ético”, mas que ao chegar as preocupações práticas da vida adulta distraem-se. “Há anti valores que nascem dos adultos porque queremos tudo rápido, porque quando se passa dos 25 anos a pessoa procura formar a sua família ou está trabalhando, e a fé ou a vida espiritual passam a um segundo plano”, manifestou.

Coincide com essa análise o pastor protestante Hugo López. “O colectivo juvenil é são, só procura estar com amigos e a religião dá-lhe tudo o necessário para formar-se espiritualmente e matizá-lo com a música, arte e dança. Os jovens perdem a fé porque ao crescer tem outras necessidades e também fazem muitas perguntas, que se não são respondidas adequadamente, se vão por outro caminho”, considera López, que também crê que o mau exemplo de alguns líderes adultos cristãos desencanta alguns jovens ao crescer.

A estatística colapsa a religiosidade por pertença socioeconómica média ou baixa, mas talvez teria sido interessante especificar o nível de formação e escolarização dos entrevistados. Em alguns países em desenvolvimento a população mais escolarizada é mais religiosa, ao formar parte de redes juvenis e sociais ligada à escola religiosa, poder ler a Bíblia, etc… Enquanto a menos escolarizada (talvez a população rural ou mais anciã) não teve esta oportunidade.

Outro aspecto curioso é que (sempre segundo esta sondagem) os bolivianos seriam mais religiosos que as suas mulheres, algo muito difícil de encontrar em outros países, já que em quase todo o mundo e em quase todas as religiões as mulheres são estatisticamente mais religiosas que os varões.

Uns 28% dos bolivianos consideram-se “religiosos” frente a uns 24% delas; pelo contrário, autodeclaram-se “pouco religiosos” um 24% de homens frente a um 28% de mulheres.

Além disso, adverte-se que o protestantismo tem mais êxito entre as mulheres que entre os varões, que preferem manter-se católicos.

Ainda que aproximadamente 8% do total dos entrevistados e entrevistadas declara “não sou religioso”, ninguém se declara ateu. Só em La Paz a sondagem encontra 1% de ateus; não os encontra em Cochabamba, Santa Cruz nem El Alto.

Ainda que a soma dos que se declaram “Religiosos” e “Muito religiosos” é de 33%, os que participam em actividades religiosas são 31%... E isso inclui os que vão a actividades esporádicas que se fazem só umas poucas vezes ao ano, como ir à via crucis. Por exemplo, só 6% declara que jejua ou se abstém de comer carne na Semana Santa. Ao que parece, é um ensinamento da Igreja que se conhece pouco no país.

Uma pergunta especialmente interessante (não costuma haver estudos estatísticos sobre isso) é a devoção aos santos. Uns 25% dos bolivianos seria devoto de pelo menos algum santo, muito poucos comparados com outros muitos países hispânicos, onde até as pessoas pouco religiosas tem devoção a algum santo.

O santo mais popular na Bolívia é a Virgem da Candelária de Copacabana, uma das mais antigas invocações marianas na América. Os dominicanos trouxeram desde as Ilhas Canárias a devoção à Virgem d Candelária num santuário no povoado de Copacabana em 1583, a quase 140 km de La Paz, a 3.800 metros sobre o nível do mar.
Santuário da Virgem da Candelária de Copacabana
Mas em Cochabamba a devoção é à Virgem de Urkupiña, que apareceu a uns quechuas em algum momento do século XVII ou XVIII e se celebra em Assunção. O seguinte santo em popularidade é Tata Santiago (o apóstolo Santiago).

Determinar as práticas espirituais da percentagem da população religiosa a partir de só 800 entrevistas não é para nada definitivo, mas a sensação que dá a sondagem é que as devoções populares (peregrinações, visitas a igrejas, devoção aos santos) não são ainda muito populares e que na Bolívia há espaço para uma maior religiosidade popular.


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