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domingo, 26 de janeiro de 2014

Uma menina desarma os seus pais ateus: pede o baptismo e trava o seu pretensioso desinteresse pela fé

Testemunho do seu pai em «The Guardian» 

O baptismo de crianças de pais ateus não é infrequente
quando recebem alguma noção da fé na escola.
Actualizado 18 de Janeiro de 2014

ReL

James Harrington é um jornalista agnóstico que em 2009 se mudou com a sua família para o sudoeste da França, onde trabalha como jornalista freelance. O que reproduzimos de seguida é uma carta que publicou no diário progressista britânico The Guardian, na qual explica como a sua esposa, “ateia fervente”, e ele, que se confessa agnóstico, reagiram quando a sua filha lhes anunciou que queria baptizar-se e ser católica. 

A minha esposa e eu somos ateus, mas a nossa filha quer baptizar-se e converter-se ao catolicismo
Durante décadas, Deus e a religião não tiveram nenhum lugar na minha vida. Fui baptizado em criança, mas não fui mais além da primeira comunhão. Isto, oficialmente, poderia fazer de mim um católico no sentido amplo do termo, mas ainda assim sou uma pessoa que, além de não praticar, se deteve antes de começar.

Além das assembleias matutinas e dos ensaios semanais de cantos na escola primária, seguidos de um par de anos de aulas de religião no instituto (que abandonei enquanto tive possibilidade de escolher as matérias), apenas tomei em consideração a minha alma imortal, e muito menos a direcção que esta deve tomar quando morre.

Ao longo dos anos, quando me preocupava em pensar em tudo isso, chegava à conclusão que preferia a teoria científica da vida e o universo à teoria espiritual. O mais provável é que seja ateu, mas inclinado até o lado agnóstico do espectro. Sei que sou céptico no sentido verdadeiro do termo. O superficial. Uma das duas coisas.

Estava de acordo com a minha esposa, que é uma ateia fervente, quando disse que poderia suportar qualquer decisão que os nossos filhos tomassem, com a excepção de que quisessem alistar-se no exército ou no clero. Portanto, que ocorreu quando a nossa filha decidiu que não só acreditava em Deus (com D maiúsculo). Mas sim que também queria baptizar-se e converter-se ao catolicismo?

Isto não deveria ter sido um motivo de grande surpresa para nós. Mais ou menos há cinco anos, o trabalho levou a minha esposa, também jornalista, a nossa filha, que então tinha três anos, e a mim do este de Inglaterra ao sudoeste de França.

Matriculámos a nossa filha na escola católica local, escolhida só por recomendação de uma companheira que nos falou da qualidade da sua educação. E, sendo sinceros, a escola tinha lugar quando nós o necessitávamos. Ela tinha frequentado a mesma escola e não tínhamos motivo de queixa. Pelo contrário. Tínhamos todos os motivos para agradecer à nossa companheira por ter dado no cravo.

Ao ser uma escola católica, cada semana havia uma hora de aula de catequese. Tecnicamente, a nossa filha não deveria ter começado estas aulas por não ser (ainda) católica, mas não pensámos em impedi-lo e nunca foi um problema.

Uma amiga da aula. Com frequência dizia-nos que a nossa filha gostava de aprender e se emocionava visivelmente nos dias festivos e nas férias, quando os alunos iam à igreja. Mas uma coisa são as catequeses no colégio (é um pouco como a “Catholic-centric RE”, a educação religiosa para os que não usam esse termo), e muito diferente é querer todo o pacote e ser baptizado. E, aparentemente, outra coisa é querer ser baptizado intencionalmente.

Com o risco de desgostar aos meus pais, tenho que dizer que não tinha escolha: fui baptizado antes que pudesse expressar a minha opinião sobre isso. Não é que importe. Fui baptizado. Mas, além de falar sobre isso aqui e agora, este facto quase não teve nenhum impacto na minha vida. Final da história.

Sem dúvida, a nossa filha tomou sozinha uma decisão que define a própria vida. Não poderia estar mais orgulhoso dela. Mas não posso negar que o que nos disse há minha esposa e a mim deteve o nosso desinteresse na religião, ligeiramente pretensioso, e a nossa trajectória de progressistas de causas perdidas.

De onde colheu o valor para dizer-nos o que queria? Estava claro que a nossa valente e doce filha tinha reflectido seriamente e durante muito tempo sobre a sua fé.

Olhando para trás, demo-nos conta de que tínhamos discutido com uma certa regularidade sobre as nossas diferentes crenças. A nossa filha trouxe-nos o Génesis. Nós demos-lhe o Big Bang. Ela trouxe-nos o Natal, a paz e felicitou-nos o Natal. Nós demos-lhe a família, os amigos e boa comida. Ela trouxe-nos a crucificação. Nós demos-lhe o coelho da Páscoa. Ela trouxe-nos o céu, Deus e o paraíso. Nós demos-lhe a vida do século XXI e um breve futuro como alimentação para os vermes.

Depois de tudo isto, e apesar da nossa amável antipatia para com Deus e a criação, ela continuava tendo o valor das suas convicções e disse-nos a ambos, na cara e perante o sacerdote, que a nossa visão do mundo não era suficiente para ela. Ela crê. Quer ser baptizada e quer ser católica.

Para mim significa assíduas viagens à paróquia para aulas extra de religião católica. Significa ir à igreja para a missa familiar dos domingos e não saber quando tenho que sentar-me ou estar de pé. E esperar que o sacerdote não venha até mim com o microfone quando está dando o seu sermão (não creio que o faça).

Significa um esforço extra da minha parte e uma não pequena frustração para a minha esposa, que tenta (e frequentemente fracassa) entender a atracção que tem tudo isto. Mas significa tudo para a minha filha. Ela deu o primeiro passo num caminho que, em última instância, terá que percorrer só. Irei com ela tão longe como possa, mas ela sabe, inclusive agora, que é a sua viagem. Está indo até onde eu não posso segui-la.

Só espero que a próxima vez que enfrente uma decisão que defina a sua vida se recorde deste momento, quando nos disse que tinha fé em algo no qual nós não cremos. E que cremos nela.

in


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