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sábado, 21 de dezembro de 2013

As 4 pobrezas evangélicas do comunicador cristão, segundo o filósofo Fabrice Hadjadj

Fabrice Hadjadj reflecte sobre a comunicação do bem, o mistério e Deus...
E como isso requer sempre pobreza
Actualizado 10 de Dezembro de 2013

ReL

Fabrice Hadjadj é um filósofo e escritor francês. Nascido em Nanterre em 1971, na sua adolescência e juventude foi ateu, anarquista e niilista, até que em 1998 converteu-se ao catolicismo.

É director de Philanthropos, o Instituto Europeu de Estudos Antropológicos (Friburgo, Suíça). Autor de vários livros de conteúdos religiosos, elaborou esta reflexão sobre as 4 pobrezas evangélicas do comunicador cristão:

«A verdadeira comunicação é 4 vezes pobre»
Salvar, hoje, é a obsessão de todos os que utilizam um computador. Na minha língua, o francês, diz-se melhor “gravar”, ou também “salvaguardar”. Mas é interessante observar como na linguagem informática, e também em italiano, se diz to save, salvar, acção que tem que ver com os documentos, não com as almas. A “salvação” encontra-se no menu file, ou na barra de ferramentas. E está representada por uma disquete, não por uma cruz.

Sem dúvida, a verdadeira salvação não se aplica às coisas, mas sim às pessoas. Não há que recordá-lo só aos informáticos, mas também a certos católicos tradicionalistas: preservar a doutrina, salvar a bela liturgia, recordar as regras morais tem valor só na medida em que esta ordem das coisas serve a salvação das pessoas.

Há que recordá-lo também a certos progressistas: está em jogo a salvação das pessoas, e não a realização de um ideal social, de uma utopia política, de um todo igualitário. O caminho é estreito porque se passa um atrás de outro. A salvação não conhece a massa. O seu objectivo é “notável”, pelo que não é justo de todo dizer que Cristo salva a “humanidade”.

Ele salva Pedro, Paulo, Santiago, etc., e nisto custodia a humanidade na sua mesma diversidade: pequenos e grandes, magros e gordos, débeis e fortes. A sua promessa está dirigida aos nomes próprios, e não aos nomes comuns. Por outra parte, é precisamente o que recorda Jesus despois da missão dos setenta e dois discípulos:

«Mas não os alegreis de que os espíritos submetem-nos; alegrai-os de que os vossos nomes estejam escritos nos céus» (Lc 10, 20).

A alegria apostólica não se baseava em ter submetido os povos a uma Lei comum, mas sim na eternidade dos nomes próprios. A graça permite que não vejamos a Lei como uma regra imutável, e permite que a vivamos como a condição de um encontro, de um diálogo, de uma intimidade com o Criador e, em consequência, com cada uma das suas criaturas.

É este o sentido da palavra: «O sábado foi instituído para o homem e não o homem para o sábado» (Mc 2; 27). A missão não tem por finalidade por os homens ao serviço dos dogmas e dos sacramentos, mas sim por os dogmas e os sacramentos ao serviço dos homens, porque dogmas e sacramentos destinam-se à salvação de cada rosto na sua singularidade, não ao triunfo de uma doutrina.

Por isto a Sabedoria é uma pessoa. E por isto o Livro dos Provérbios recorda a Sabedoria debaixo do sinal de uma multidão concreta e irredutível, e não de uma teoria abstracta e uniformada: «Misturou o seu vinho, temperou também a sua mesa» (Pr 9, 2).

As Tábuas da Lei estão subordinadas à mesa do festim. A mesa do festim é exactamente o contrário de uma ideologia redutora ou de um ecrã que pretende absorver o mundo. É o lugar onde floresce a multiplicidade incomparável e “não-totalizável” dos rostos. Há para beber e comer. Há fiéis e alguns traidores. Há conversações que se transformam em orações de súplica e em cantos de louvor.

Isto é o que anunciamos: um banquete ao redor da Sabedoria encarnada (e é interessante observar como a empresa da Maçã Mordida usurpou o termo de “convivialidade” para designar, não a presença do Logos feito carne, mas sim a eficácia de um software).

Agora pode-se afirmar melhor a necessidade da pobreza evangélica, porque os enviados são pobres na sua defesa, pobres no seu equipamento e pobres na sua mensagem.

1. Perante tudo, pobres na sua defesa.
São cordeiros no meio de lobos: expõe-se à morte. É a condição de uma verdadeira presença. Isto vê-se frequentemente durante um funeral: de repente, por causa da consciência da morte e da impotência, os afastados aproximam-se de novo, os superficiais tornam-se profundos, as relações familiares não foram nunca tão simples e vivas.

Mas para os discípulos não se trata só da consciência da morte; trata-se de estar preparados para testemunhar com a vida até ao fundo. Não se pode falar d’Aquele que é a Vida e a Ressurreição somente com a boca. Há que falar d’Ele com a laceração do coração. Com isto não me refiro a uma exaltação sentimental, mas sim a um modo de ser com o outro no sentido profundo do nosso destino último, da nossa comum miséria e da nossa comum necessidade de misericórdia.

2. A segunda pobreza é a do equipamento.
Os meios temporais pesados interpõe-se. Podem abater as distâncias, mas não permitem a proximidade, a que nada pode substituir. Os sacramentos demonstram-no: estes, que nos comunicam o maior, quer dizer, a graça, exigem sempre a proximidade física.

Não nos podemos confessar por telefone. Não se pode “teletransmitir” o corpo de Cristo. A mais elevada comunicação ignora as altas tecnologias de comunicação. Porque esta elevada comunicação é comunhão das pessoas e, portanto, presença real do um para o outro, oferta recíproca dos rostos.

3. A terceira pobreza é a da mensagem.
Porque a mensagem conta menos que o mensageiro e de quem o envia. Por outro lado, a mensagem é, ante tudo, a quem mensageiro se dirige: «Cristo veio para salvar-nos, a nós, a ti e a mim. Quer que o teu rosto resplandeça eternamente». Por isso os enviados devem contemplar esse rostro, ainda que seja o rosto mais aborrecido, e também escutá-lo, ainda que seja o mais estúpido.

4. E, por último, de algum modo, a quarta pobreza: há dois enviados, e não um cavaleiro solitário.
Para não voltar a cair nos sermões dos escribas e dos fariseus é necessário que a mensagem se encarne e, quando se trata dos discípulos, pode encarnar-se somente numa comunidade viva, que pensa e canta: «Nisto conhecerão todos que sois discípulos meus: se os tiverdes amor uns aos outros» (Jn 13, 35).

A proximidade correria o risco de ser uma proximidade de fachada se fosse só com os últimos chegados: fabricamos facilmente um ar de circunstâncias. É real só se comigo há alguém que me põe à prova dia após dia, que conhece as minhas debilidades, que viu a minha máscara cair e que, portanto, impede que a ponha perante os outros, porque denunciaria uma evidente falsidade.


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