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terça-feira, 26 de novembro de 2013

A cristologia do papa Bergoglio

Francisco descreve e propõe uma retomada da identidade cristã


Roma, 25 de Novembro de 2013


Com a missa solene na Praça de São Pedro, na festa de Cristo Rei, o papa encerrou o ano litúrgico e o Ano da Fé. A liturgia diz que Cristo é o Alfa e o Ómega: a história da salvação começa com a sua vinda ao mundo e é destinada a terminar com o seu retorno.

E é por esta razão que a solenidade que comemora a sua centralidade no universo e na história é colocada no final do nosso ciclo anual: quando chega a hora de fazer uma avaliação do ano que passou, deve-se medir quanto progresso foi feito na construção do Reino de Deus.

Os primeiros cristãos, que celebravam a missa à noite, esperavam até altas horas pela "parusia", ou seja, pelo retorno de Cristo. O papa Francisco diz que Cristo já está presente, através da Sua Palavra e da Eucaristia. Neste ponto, ele aborda o problema do sentido a ser atribuído a esta presença, depois de o Ano da Fé nos ter fortalecido na convicção de que a fé é eficaz e operativa.

Em sua homilia, Francisco afirmou que Cristo é o centro da criação, que Cristo está no centro da história, que Cristo está no centro da Redenção. O papa acrescentou, no entanto, um conceito, que nós, europeus, não estamos acostumados a ouvir, mas que é bastante típico da cristologia latino-americana: Cristo está no centro do povo.

É espontâneo, quando ouvimos o papa, concluir que Cristo é o factor decisivo, específico, determinante da nossa identidade colectiva. De fato, logo depois, a palavra "identidade" foi vigorosamente proclamada pelo papa na Praça de São Pedro.

Neste domingo de manhã, o noticiário abordou repetidamente a questão do acordo sobre a política nuclear iraniana: um acordo que marca a renúncia final do Ocidente a travar o desenvolvimento atómico daquele país e, com isso, a expansão da sua influência.

Agora, apenas a palavra dos líderes do Irão, ou melhor, o seu interesse em evitar um conflito, pode nos dar garantias contra os perigos decorrentes dessa realidade. O Ocidente cristão não é mais capaz de dominar o mundo, não é mais capaz de se preservar da emergência económica, cultural e agora também militar dos poderes que não fazem parte dele.

Vem então a tentação inevitável, para cada um, de se refugiar na sua própria identidade. Se essa identidade for concebida em termos étnicos, a fragmentação que nos espera será cada vez maior e acentuará a nossa marginalização e insignificância. Já se reavaliarmos a nossa identidade em termos espirituais, ela será mais extensa e, portanto, terá mais oportunidades de influenciar o mundo.

O papa certamente não a considera em termos de contraste com as outras culturas. Como homem que veio do hemisfério sul, o papa Bergoglio viveu na pele a injustiça histórica mascarada pelo colonialismo como "o fardo do homem branco".

A identidade cristã, de resto, não surgiu como uma questão interna do Ocidente, tanto porque, em realidade, ela provém do Oriente quanto porque não conhece nem justifica nenhuma forma de discriminação racial. Além disso, ela sempre se enraíza em culturas diferentes. Podemos até dizer que, enquanto as outras grandes religiões são não-europeias e têm pouca propagação em nosso continente, a nossa foi se espalhar como um fenómeno autóctone em todas as partes do mundo.

É precisamente nisto que reside o antídoto que a impede de endossar as novas tentativas de domínio por parte do Ocidente: mas o fato de que a tradição cristã tenha tido um particular enraizamento na Europa nos permite oferecer o património representado pela nossa identidade também às outras culturas.

Se a batalha pela supremacia económica já está perdida e a luta pela supremacia militar já vai pela mesma direcção, ainda permanece firme o prestígio que nos é dado pela nossa identidade espiritual.

Agora, mais do que nunca, em torno à figura do papa, ao seu prestígio, ao poder dos seus gestos pela paz, à sua luta pela justiça, reúnem-se não-católicos, não-cristãos, não-religiosos que aceitam de fato a sua orientação. Como podemos ajudá-lo, nós, europeus e católicos? Simplesmente vivendo com coerência a nossa fé, a fé para a qual Cristo está, como nos recorda o papa, no coração dos povos: é uma escolha com implicações revolucionárias, uma vez que, hoje, no coração dos povos, existem tantos interesses materiais e egoístas.
A crise até poderá ter um efeito benéfico se nos levar a reconverter-nos como cristãos.


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