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terça-feira, 24 de setembro de 2013

Mantém milhares de famílias e és negociador de reféns: um sacerdote herói no inferno de Homs

A vida ao limite do jovem jesuíta Ziad Hilal 

O sacerdote jesuíta, Ziad Hilal
Actualizado 22 de Setembro de 2013

Javier Lozano / ReL

No meio da barbárie e da guerra aparecem na Síria autênticos heróis anónimos, pessoas que não temem a morte se assim podem dar a vida a outros. Enquanto os combates continuam, o grande atingido continua sendo o povo, um povo sírio que necessita não só ajuda material, mas também algo que vá mais além… Amor, esperança e reconciliação.

Um destes heróis é um jovem sacerdote jesuíta, o padre Ziad Hilal, que se joga a vida diariamente, e certamente esteve muito próximo dela em várias ocasiões, para levar o amor ao povo sírio.

Um herói no inferno sírio
E com este espírito está realizando uma enorme obra evangelizadora, reconciliadora e humanitária na cidade de Homs, devastada e uma das mais afectadas na Síria. Mantém unida à comunidade cristã, dá de comer a 3.000 famílias, dá aulas a 900 crianças, criou um centro para crianças incapacitadas e inclusive foi negociador de reféns mediando entre os leais de Asad e os rebeldes para que entregassem com vida prisioneiros de cada facção, entre eles vários cristãos. Tudo isso unindo cristãos e muçulmanos sunitas e alauitas, que experimentaram graças a este sacerdote que é possível um país no qual todos podem conviver.

Uma autêntica vida de aventura. Ainda que talvez uma das suas iniciativas tenha sido a mais importante na hora de ajudar o povo da Síria. Em Junho, este jovem sacerdote foi recebido pelo Papa Francisco. Hilal pode relatar-lhe com detalhe a verdadeira situação de Homs e a missão que realiza ali. “Que posso fazer por ti?”, perguntou o Papa. “Necessitamos as suas orações para Síria”, contestou o padre jesuíta. Com base nisto surgiu a iniciativa de Francisco sobre a jornada de oração e jejum para a Síria, e que provavelmente ajudou de sobremaneira a evitar, de momento, um ataque internacional contra o país que teria gerado ainda mais mortes e sofrimentos.

Joga a vida diariamente
Este jesuíta estudou Filosofia e Teologia em Paris e é doutor em Educação e Teologia pela Universidade de São José em Beirute. Agora vive na fronteira existencial e física. Joga a vida diariamente para atender o seu rebanho. Passa de uma facção a outra para visitar as famílias apesar de que tentaram matá-lo em diferentes ocasiões.

“Passei o que passei e decidi ficar porque são as pessoas, e especialmente as crianças, os que importam. Pessoalmente não me preocupa o meu futuro, vivo cada momento tal como vem. Certamente rocei a morte em várias ocasiões mas acostumei-me a ela. Em todo o caso, Deus protegeu-me”, conta este sacerdote que foi ordenado em 2010 em Damasco.

"Se não ajudo, sou cúmplice da barbárie" 
Apesar de que uma alta percentagem da população cristã de Homs se foi embora, ele estará ali enquanto fique algum cristão. “Se os meus paroquianos saem, eu saio. Se ficam, eu fico com eles”. Na sua opinião, “se não vou ajudar o meu irmão, sou cúmplice da barbárie”.

Entretanto, no inferno de Homs está realizando uma obra louvável que além disso está reconciliando cristãos e muçulmanos e aos próprios muçulmanos entre si. Apesar da carestia e do caos generalizado, este homem consegue dar de comer a mais de 3.000 famílias, que procuram não só comida mas também ajuda médica e espiritual.

No bairro onde estava a casa jesuíta não ficaram cristãos pelo que decidiu mudar-se para outro no qual sim havia. Ali criou um grande centro social e graças às doações que recolhe pela Europa está salvando milhares de pessoas, sem importar a religião dos que ali acodem. Além disso, joga a vida para levar ajuda a famílias isoladas que há em povoações próximas de Homs.

As crianças, a sua principal preocupação
Sem dúvida, a sua principal preocupação são as crianças, que além disso representam o futuro do país. Desde que começou a guerra os colégios permanecem fechados e os pequenos estão com as suas famílias todo o tempo e em muitas ocasiões são testemunhas de coisas que uma criança não deveria ter que ver.

Por isso, a paróquia que dirige o padre Hilal abriu uma escola em Abril de 2012. No princípio eram 20 crianças. Um ano e meio mais tarde são 800 crianças entre os 6 e os 14 anos. Para isso, conseguiu envolver diferentes professores, agora parados, para ensinar na escola. “É um raio de luz, uma grande fonte de esperança neste inferno. Se são cristãos, sunitas ou alauitas, não fazemos nenhuma diferença” conta o sacerdote.

Além disto, este jesuíta relata que no colégio também se alimenta as crianças com leite, sanduiches e fruta. “Temos que formar uma nova geração com o fim de diminuir a tensão entre os grupos religiosos”.

A reconciliação entre cristãos e muçulmanos
Sem dúvida, o seu trabalho social tem umas consequências ainda maiores dado que “temos podido mostrar que os cristãos e os muçulmanos podem ajudar-se uns aos outros”.

Exemplo disso é outra das numerosas iniciativas deste jovem sacerdote, um centro para pessoas incapacitadas mentais. Actualmente, tem lugar para 35 pessoas apesar das dificuldades que vivem na Síria.

Sobre esta convivência conta uma bonita anedota: “Organizámos recentemente uma festa para crianças com incapacidade. As suas famílias estavam ali. Cristãos, alauitas e sunitas. Foi maravilhoso. Uma mãe pôs-se a chorar: ‘não é tão duro estar juntos. Porque os políticos nos levam à guerra?’”.

Por isso, com o seu empenho e o seu ímpeto Hilal conseguiu que a vida pareça algo mais normal neste inferno. Assim o define ele: “o resultado é que hoje, em torno dos centros dos jesuítas, as pessoas regressaram aos seus lares enquanto o resto da cidade de Homs está em ruínas e em grande parte abandonada pelos seus habitantes”.

Negociador de reféns
Mas a vida de Ziad Hilal dá para muito mais. Se não tivesse bastante com a atenção da comunidade cristã e os milhares de pessoas necessitadas que tem nos distintos centros, este sacerdote jogou a vida em várias ocasiões actuando nem mais nem menos que como negociador de reféns em Homs.

A guerra civil entre os rebeldes e os partidários de Asad deixou numerosas vítimas. Ambas as facções fizeram prisioneiros e detiveram pessoas simplesmente pela sua etnia. Entre eles estão também os cristãos.

Sem importar a sua própria vida, Hilal actuou de mediador para a libertação e a troca destas pessoas. Num lado da habitação, vários líderes rebeldes sunitas, no outro chefes tribais alauitas e no meio um sacerdote católico, que só procura que não haja mais mortes. Finalmente, conseguiu o seu objectivo e salvou de uma morte segura centenas de pessoas, entre eles muitos cristãos.

“Eu não tomo partido neste conflito, estou a favor da paz e não me meto em política”. O seu é viver na fronteira, tal e como prega o Papa Francisco, jesuíta como ele.


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