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quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Judia deportada em Auschwitz, um sorriso e a cruz que levava uma mulher salvaram-lhe a vida

A importância dos pequenos detalhes

Magda Hollander-Lafon
Actualizado 21 de Agosto de 2013

Javier Lozano / ReL

Pode-se encontrar algo de bondade e felicidade no meio do inferno? Tem sentido a vida quando parece que o mal prevalece em todo o momento? Magda Hollander Lafon respondeu sim a estas duas perguntas. Sobrevivente de Auschwitz e testemunha dos horrores mais inimagináveis quando era somente uma menina percorreu os colégios franceses para dar esperança e ânimo a todos os jovens e recordar-lhes o dom precioso da vida e a alegria de viver.

Magda, aos seus 85 anos, tem marido, quatro filhos (a pequena religiosa carmelita) e onze netos. Mas houve um tempo em que ela cresceu só. Judia de família húngara foi deportada aos 16 anos para o campo de concentração de Auschwitz. E ao entrar foi separada da sua mãe e irmã às quais nunca mais voltou a ver.

Deportada e só em Auschwitz
Ali viveu o vazio existencial maior. Queria morrer. Sem dúvida, recorda que “no fundo do inferno, a bondade salvou a minha vida”. Houve pequenos gestos, às vezes quase insignificantes e imperceptíveis, que foram um bálsamo na sua vida e que resultaram mais importantes do que se pode pensar. É isso mesmo o que trata de transmitir aos jovens nas suas palestras, que no detalhe está muitas vezes a essência

Deste modo, Magda recorda perfeitamente “os quatro pequenos pedaços de pão que me deu um moribundo em Auschwitz quando eu morria de fome”. “Tu és jovem, deves viver para presenciar o que sucede aqui. Há que dizer ao mundo o que aqui ocorre”, disse-lhe aquela pessoa.

Do mesmo modo, recorda as gotas de água que outra pessoa lhe deu no campo, “algo más valioso que todo o ouro do mundo” e inclusive os sapatos que lhe ofereceu um guarda de Auschwitz. Uns gestos de esperança que a mantiveram com vida até que um dia conheceu a cruz que definitivamente deu uma volta à sua existência.

A bondade, estéril?
Até esse momento, a sua vida foi turbulenta e dura pois não se perdoava a si mesma por estar viva e não a sua madre e a sua irmã. “Olha o fumo da chaminé, já estão ali”, dizia-lhe um dos guardas do campo.

“Recordo também as palavras de Edwige, uma deportada de Auschwitz que se converteu em chefe dos blocos, quando ela me gritava e me pegava: “a lástima é um delito, a bondade é estéril".

O gesto do guarda do campo
Mas ainda que o sofrimento a carcomesse por dentro e o sentimento de culpabilidade a oprimisse uma cosa sim pode experimentar, a bondade não era estéril. E o sucesso com um guarda fez-lhe ver o rosto humano em quem era seu inimigo. O guarda era ucraniano e por sua vez ele estava controlado pelas SS. Magda tinha grandes problemas com o frio pois tinham-lhe roubado os sapatos. Ela estava desesperada.

O guarda viu todo e aos gritos ordenou-lhe que fosse a um lugar onde ninguém os visse. Ali, para surpresa dela, levou-a próximo de uma fogueira, esfregou-lhe os pés com jornais para que recuperasse o calor e depois tirou da sua mochila uns sapatos e deu-lhes. “Com esse gesto ele me deu a vida enquanto arriscava a sua”, recorda. Cuidou dela durante quatro meses. “Assim pude recuperar a esperança na bondade dos homens.

Onde está Deus?
Durante esse tempo, também experimentou um rancor a Deus pois muitos dos seus companheiros morriam enquanto rezavam a um Deus que parecia surdo e oculto. Este sentimento de raiva acompanhou-a quando saiu do campo de concentração uma vez acabada a guerra.

Em 1945 foi enviada para um orfanato na Bélgica. Ali esteve vários anos. No princípio queria acabar com a sua vida. “Não tinha nada nem a ninguém, estava devastada pela culpa de ter sobrevivido”. Mas foi outro destes pequenos gestos o que começou a mudar-lhe a vida. “Conheci uma mulher que sorria e esse sorriso mudou-me a vida”, afirma.

Uma mulher, com uma cruz ao pescoço
E logo depois chegou o grande momento. “Em 1948 conheci uma pessoa que me tocou com a sua presença. “Levava uma cruz ao redor do pescoço. Perguntei-lhe pelo significado desse sinal e respondeu-me que era a Cruz de Jesus…”.

Nesse momento essa mulher emprestou-lhe um Evangelho. “Abriu-o ao azar e encontrei-me com esta passagem: “tive fome e destes-me de comer…"(Mt 25,35). Uma palavra que chegava à sua vida e à sua existência, algo que a transformou para sempre. “Este Jesus realmente me interessa…”, foi o primeiro pensamento.

Baptizada e transformada
Neste processo de conversão e de cura interna foi aprofundando nesta nova fé que lhe falava directamente à sua vida e foi baptizada católica aos 23 anos ainda que nunca esqueceu as suas origens judaicas.

Desde esse momento a sua vida teve uma dimensão nova. A bondade, a alegria e sobretudo o amor tinham-na salvado. Tudo isso ficava reflectido perfeitamente em Jesus Cristo. Agora a vez tocava-lhe a ela. Não podia ficar de braços cruzados.

"Nossos actos comprometem-nos. Depende de cada um escolher o ser humano ou humilhar, tornar-se violento ou pacificar. Auschwitz está em cada um de nós e todos nós podemos fazer-nos criminosos. Podemos escolher manter vivo o medo e ser vítimas até esquecer que estamos vivos. Eu escolhi a vida. Estou alegre. Para mim, a alegria é uma oração viva. É o Céu na terra. Quando se expressa, chama a alegria no outro". "A água é a vida e a vida está sempre em movimento", evoca com frequência Magda.


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