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quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O capelão dos vagabundos de Paris é um dominicano espanhol que dá auto-estima aos sem-abrigo

No Natal organiza uma Missa para eles

Pedro Meca foi viver com os que não tem nada e congrega multidões. Nas suas iniciativas os sem tecto não são os que recebem mas sim os que dão.

Actualizado 6 Fevereiro 2013

Javier Lozano /ReL



Pedro Meca Zuazu é dominicano e trabalhador social ou trabalhador social e dominicano. Ambas as coisas ficam unidas neste navarro de quase 78 anos que foi criado por um casal de ancião muito pobres e que aos 17 anos foi para França à procura da sua mãe, exilada durante a Guerra Civil Espanhola.

“Possibilidade de demonstrar o que valem”
Este dominicano a dedicou toda a sua vida aos sem tecto e criou numerosas iniciativas que foram logo copiadas e levadas a cabo em diferentes países. É como lhe chamam os seus irmãos da Ordem dos Pregadores, o capelão dos vagabundos em Paris, cidade na qual leva já uma boa parte da sua vida. Ali dedica-se a estar literalmente com os mais pobres, com os que vive, a gerar-lhes oportunidades laborais, ajudando a que tenham uma morte digna mas sobretudo trabalha em devolver-lhes a dignidade que perderam e recuperar a auto-estima.

O padre Pedro é um vendaval, algo que lhe gerou também os seus problemas. Mas, o que é que faz este dominicano tão particular? Realmente, a sua maneira de trabalhar com os deserdados e os leprosos de nosso tempo. “Oferecemos a gente com uma auto-estima muito baixa a possibilidade de demonstrar o que valem, algo muito difícil se só se movem em círculos de marginação”.

Só vai à comunidade uma vez por semana
O seu principal trabalho é fazer ver aos sem tecto e ao resto das pessoas que não se pode ver só às pessoas como pobres porque carecem de algo posto que é algo muito limitador. Na sua opinião, há que atender à totalidade da pessoa tendo em conta que todos têm potencialidades e riquezas que trazer ao resto.
O seu trabalho surpreende os seus próprios irmãos na ordem. O superior dos dominicanos falou numa conferência deste espanhol: “vem à comunidade uma vez por semana para assear-se e conseguir algo de comida. Leva o cabelo comprido e parece como um vagabundo mas é uma das pessoas mais felizes que conheci”.

Levou a Lourdes a uma multidão de indigentes
E é que, continua o superior dominicano, “conheci-o em Lourdes e Pedro tinha levado um montão de gente realmente pobre, uma autêntica multidão de indigentes. Encontrou um modo de levá-los ali e, o mais importante de tudo, o fazia com profunda alegria”.

Uma das imagens mais conhecidas dele é a das inumeráveis missas de Natal que preside em Paris. Nessas datas celebra sempre uma grande missa para os vagabundos, numa enorme tenda de campanha no centro da capital francesa. Até mil pessoas chegaram a reunir-se nelas para depois desfrutarem todos de um grande banquete e assim celebrar o nascimento do Salvador.

Colaborador do Abbé Pierre
Colaborou lado a lado com o Abbé Pierre, criador dos trapeiros de Emaús, e daí surgiu a ideia de dedicar a sua vida aos excluídos da sociedade. Surgiu assim a obra pela qual este dominicano navarro é conhecido em França e no estrangeiro: os Companheiros da Noite e o centro La Moquette.

Um local que não da nem roupa nem alimento
Que é La Moquette? É um centro no qual as pessoas sem tecto e com tecto podem ir pelas noites da semana para reunir-se, ler o jornal, jogar às cartas, falar ou participar em conferências. Quer dizer, falar-se num clima de acolhimento e de escuta, no qual os sem tecto recuperam a sua dignidade e os com tecto perdem os seus prejuízos. De facto, neste local não se dá nem roupa nem alimento.

Pedro Meca quer ir muito mais além do assistencialismo mais primário já que crê que há coisas igual ou mais importantes que o alimento. Numa entrevista assegurava que “se pode não ter nada e trazer muitas coisas”.

Os sem tecto, os solidários
Deste modo, acrescenta que “os sem lar podem ensinar muitas coisas. Da gente pobre só se vêem as necessidades e como preencher: não tem casa, não tem que comer, não tem roupa… A minha relação não é essa, é encontrar-me com alguém com as suas potencialidades, o seu saber, a sua cultura, os seus gostos, as suas paixões, o que lhe interessa. A pessoa na sua globalidade, não a abordagem de ‘que necessita de mim?’. Eles podem e tem que trazer. Um princípio fundamental é que possam dar, que possam participar em acções de solidariedade”.

"Os mortos na rua"

Além desta entrega, os vagabundos que acodem aqui realizam duas actividades das mais curiosas mas que são do mais útil. Relata este dominicano que criaram o que se chama “os mortos na rua” dado que “segundo como se trata um cadáver, assim se trata as pessoas. A gente arma distúrbios quando alguém morre, não quando vive. Se nos ocupamos dos mortos é porque nos interessam os vivos (…) A vida na rua anuncia uma morte prematura”.

Daí surgiu a dita iniciativa, conta em outra conferência, já que “havia gente que morria na rua e ninguém os reclamava. Chegamos a um acordo com o Município: passam-nos a lista das pessoas que morreram na rua (e também em casas ou hospitais) e que nada reclama. As pessoas da rua acompanham também as pessoas que não morreram na rua e pelas quais ninguém se interessa. Aqui se vê como as pessoas da rua trazem à sociedade coisas que não traz nada. Damo-nos conta que as atitudes exclusivas são património de toda a sociedade. Assim conhecemos quanta gente morre. Assim vemos através da sua morte como era a sua vida. Muitos morrem sós. Acendemos-lhes uma vela, fazemos uma oficina de escrita e os textos lêem-se na celebração seja civil ou religiosa”.

A respeito de Espanha, vê algumas diferenças com respeito ao seu trabalho em Paris. “Em Espanha a solidariedade familiar é muito mais forte que aqui, a ruptura é menor. Um rapaz em França quando faz os 18 ou 19 anos sai de casa. Em Espanha continuam até os 25-30. Em Paris, metade das famílias são monoparentais. Se tem muitos papás, mamães e avós, acaba não tendo ninguém”.

Padrinhos de meninos de Kabul
A outra actividade que levam a cabo os sem tecto de Paris é animá-los a ajudar aos necessitados. “Ocorreu-nos que fossem padrinhos de meninos da rua noutras partes. Temos organizado que sejam padrinhos de meninos de Kabul. Uma vez por mês temos uma reunião de solidariedade para ver o que fazemos, recolhemos dinheiro em comum, mandamos-lhes cartas e os meninos surpreendem-se de que na Europa haja gente na rua. Nas reuniões que temos descobrimos que isto lhes recupera a auto-estima porque não puderam ocupar-se da sua família”, conclui Meca.


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